O ÚLTIMO FUNERAL TRISTE
Bruno Freitas
Nunca fui a enterro de ninguém. Nunca vi um cortejo qualquer. Jamais vi um cadáver ser sepultado. Confesso que já freqüentei um velório aqui, e outro funeral acolá, mas enterro jamais.
Na minha família, jamais tive perda maior. Morreram parentes distantes em grau, e apenas tive notícia de morte. Meu avô paterno morreu quando eu era pequeno demais para concatenar qualquer idéia. Minha bisavó paterna morreu quando eu também era pequeno demais para sofrer a perda.
A perda maior que tive, foi a morte do avô materno, quando eu já tinha meus dez anos de idade. Não vi seu cadáver, e não me foi permitido assistir ao enterro. Fiquei em casa com meus pequenos irmãos, e nunca tive a chance de despedir-me do meu avô. Não sinto por isso, e até fico feliz. Porque tenho lembranças mais antigas, que não a posição estática e inerte, bastante comum entre os mortos.
Nas amizades, nunca tive alguém que vivesse perigosamente, e fizesse imprudências atrás de um volante. Tão pouco tive infortúnios de perder amizades pela violência urbana. Também nunca tive de acompanhar algum enterro, por simpatia aos vivos. Portanto, posso afirmar, com tamanha convicção que nunca acompanhem o cortejo de um enterro.
Tenho uma predileção de não querer acompanhar futuros enterros. A forte convicção de que é melhor manter na memória as lembranças antigas da pessoa querida viva, do que ela estática e inerte, como é bem comum entre os mortos.
As lembranças que tenho de meu avô materno, são fortes, embora ele estivesse deitado em todas, estava vivo e falante, e não estático e inerte. Sei que tudo o que não me lembro ocorreu, mas tenho lembranças mais antigas que não foram apagadas por uma imagem mais nova, da pessoa morta, estática e inerte em seu caixão.
O sentimento de jamais querer presenciar um enterro é reforçado pelo trauma sofrido pela proibição em acompanhar o enterro de meu avô. Quando eu tinha dez anos, sentia-me o mais forte, mais esperto e por sim dizer, o mais experiente entre meus irmãos. Quando fui proibido de acompanhar o enterro de meu avô, fui reduzido à mesma situação deles, constatando assim, de forma drástica e dolorosa, que não passava de uma simples criança. Isso pode ter acarretado fortes sentimentos de desamparo e frustração que me acompanharão para o resto da vida.
Nem mesmo, sabendo que a morte pode estar próxima de algum parente querido, penso em presenciar seu enterro. Quero sempre, lembra-me das pessoas em vida, e com toda vida nos braços. Quero a lembrança antiga do sorriso e do cumprimento amigável e carinhoso do parente querido. Quero uma lembrança viva na memória...
Na verdade, é que não gostaria de ir ao enterro de alguém que, com toda a certeza, não vai no meu...
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