O CONTO
Ana Luísa Peluso

Não sei se tenho o que contar. E todos eles me pedem, noto por seus olhares. Olho pra eles e eles pra mim, e em mútuo silêncio nos aguardamos. Eu por não ter o que contar; eles, por esperarem que eu conte.

Será que não percebem que se não conto, é porque não tenho o que contar? Será que não suspeitam? 

Ou se fazem de tolos?

Na verdade, não passam de hipócritas, sempre soube - eu pressenti. Nunca acreditei totalmente em quem vive a vida dos outros. E certamente, eles sabem disso, quando me pedem que eu conte o que não tenho pra contar. Se eu tivesse, eu contaria, claro. Mas não tenho.

Um deles me olha, impaciente, e em seguida consulta o relógio, o outro torce o nariz — coisa que só faz quando está irritado. A outra, na ponta esquerda do grupo, alterna olhares rápidos com a da ponta direita. O do meio sorri, mas indaga.

Eu, calada, penso que deveria novamente dizer que não tenho o que contar, e que no fundo não gosto de encontrá-los, justamente por sempre ter de contar alguma coisa. E, que se meus olhos estão inchados de tanto chorar, é por ter ouvido Clarice dizer que não tenho o que contar. Justo ela, a única pessoa que conta em minha vida, ainda que eu prefira a pele nua às caras meias francesas que ela tanto gosta de usar. Contei tudo a Sérgio, mas ele permaneceu calado como sempre. Ele também não gosta de contos. Eu deveria dizer isso a todos eles; que Sérgio também não gosta de contar nada pra ninguém. Todo o resto é disfarce. Sem contos, nossa paz é destruída todos os dias e ele sequer finge notar, só para não ter de contar de onde vinha a guerra. Juro que senti vontade de gritar tudo isso na cara deles todos, da direita para a esquerda, até porque eu só venho aqui de vez em quando e não tenciono vir mais do que o necessário. Notei o olhar de Sérgio. Ele me disse sim com a cabeça e finalmente abri a tampa da caixa de madeira.

Nunca ouvi um silêncio como aquele em minha vida. Os olhares convergiram todos pra dentro do cubo de madeira vazio. Senti vontade de perguntar se sentiam-se finalmente satisfeitos sabendo que eu não tinha nada para contar. O velho teatro ficou mudo por alguns segundos. Logo a voz de Sérgio contava da noite passada em claro, pensando em quem teria feito aquilo. 

Ainda que Sérgio e eu soubéssemos que não se conta tudo a todos; ainda assim e mesmo vendo o desgosto no rosto deles todos, eu concordava. 

Na volta pra casa, enquanto Sérgio e sua trupe se encharcavam de vinho pra esquecerem a caixa vazia das moedas da noite anterior, fiquei imaginando como Clarice agradeceria às meias francesas que eu lhe dera de presente ainda essa tarde, quando nos encontramos para contar das nossas pazes e guerras, uma pra outra.

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