BATATINHA
LAVA A ALMA
Wesley Nogueira
Alberto César, se alguém perguntasse por esse nome nos limites da empresa, ninguém saberia dizer quem era, mas por trás desse pomposo nome estava um homem bom, comedido, tímido, baixinho e gordinho, de onde tiraram o apelido, Batatinha, esse todos conheciam, era o porteiro mais antigo da empresa, o mais esforçado e o que era designado para os piores horários, o que sempre pegava mais domingos na escala de serviço.
Os porteiros mais jovens eram mais escolados e malandros, e faziam pouco do pobre e simplório Batatinha. Sempre que algo de errado acontecia, colocavam a ocorrência no turno do Batatinha, ele era o saco de pancadas da portaria da empresa.
Quando faltava apenas um ano para a aposentadoria, ele passou a ser o mais visado de todos, e foi pegando uma certa antipatia, especialmente por um dos gerentes, e a antipatia era recíproca, afinal aquele porteiro gordinho sempre demorava pra abrir o portão para ele entrar com o seu belo carro importado, ou deixava alguém estacionar na vaga com sombra que era dele por direito.
A antipatia do gerente aumentou ainda mais quando chegou no escritório e viu um homem só de bermudas e camisa, conversando com outras pessoas, ele viu a cena e entrou em sua sala com ar condicionado, ligou para a secretária e mandou chamar o porteiro para que falassem imediatamente.
O humilde Batatinha apressou-se em chegar a sala do gerente, onde foi repreendido, sem dó nem piedade.
- Eu já falei pro senhor diversas vezes, que dentro da empresa ninguém pode entrar de bermudas, especialmente se for homem, aqui é uma empresa de respeito, não é para qualquer um ficar transitando aqui dentro em trajes menores. - Esbravejou o gerente.
- Desculpa Doutor... o rapaz entrou de carro, e é parente do contador, eu não quis barrar o rapaz na porta. - Defendeu-se Batatinha.
- Não importa se é parente nem do presidente da república, de bermudas aqui não entra ninguém, isso é indigno de uma empresa tão conceituada como a nossa.- cortou o gerente com impaciência.
- O senhor me faria um favor, então? - ousou pedir Batatinha.
- O que você quer mais... Diga logo, porque sou uma pessoa ocupada.
- Poderia dar essa ordem por escrito, assim todo mundo vai respeitar, afinal o senhor é uma autoridade aqui dentro. - Pediu o pobre Batatinha.
- Vou fazer isso mesmo, e você coloque no quadro de avisos da portaria, assim você não terá mais desculpas para deixar ninguém entrar mal trajado na empresa.
Passaram-se alguns meses, a antipática ordem afixada na portaria, para quem quisesse ver, Batatinha, simples, continuava nas suas atribuições, sempre gozado pelos outros e sempre visado. Novamente estava escalado para trabalhar no Domingo, e a empresa deserta, como única companhia um radinho de pilhas tocava músicas ao seu lado.
Enquanto isso, aproximava-se o gerente, vindo do futebol com os amigos, de shorts e camiseta, havia deixado o presente de aniversário da esposa em sua sala, bem trancado, um lindo relógio de pulso, de ouro e muito caro. Não podia chegar em casa sem ele, para a surpresa ser grande. Ele encostou o carro frente ao portão e buzinou insistentemente até o Batatinha aparecer.
- Bom dia, Doutor... - Disse o porteiro.
- Bom dia, abre logo isso... que eu esqueci uma coisa e tenho de pegar.
- O senhor quer entrar? - perguntou o porteiro.
- Claro... que pergunta mais besta... vou pegar uma coisa na minha sala. - disse impaciente o gerente.
- Desculpa, mas o senhor não pode entrar... o senhor não tá adequadamente vestido para entrar aqui, tenho ordens muito rígidas sobre isso.
- Eu sei disso, mas essa ordem não se aplica a mim, ainda mais num Domingo.
- O senhor mesmo disse que nem parente do presidente da república pode entrar... então, o senhor também não pode... - replicou o porteiro.
- Deixa de onda e abre logo esse portão. - disse, cada vez mais sem paciência, o Gerente.
- Desculpe, Doutor, mas ordens são ordens... porque o senhor não vai vestir uma calça para poder entrar na empresa, afinal o senhor não está adequadamente vestido para entrar numa empresa tão conceituada.
O gerente deu ré, e espumando de raiva, e foi para casa sem o presente de sua esposa, ainda guardado na gaveta de sua mesa. Pensava se voltaria ainda naquele mesmo dia, de calças para pegar o relógio de ouro. Batatinha sentou do lado do rádio de novo, sorriso nos lábios, alma lavada, nunca se sentira tão feliz por trabalhar em um Domingo, até o radinho tocava menos rouco depois daquele momento.
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