MÁSCARA DE LUZ
Rodrigo Stulzer Lopes
continuação de "Visão Eterna"
Acordou. Tivera uma noite agitada e com um sonho muito estranho. Olhava-se no espelho e a imagem refletida mostrava um homem com uma espécie de vestimenta feita de diversos retalhos. O mais estranho era o rosto refletido, com inúmeros olhos, por toda a cabeça. Logo em seguida notou que começara a enxergar sem precisar mexer a cabeça. Era como se possuísse uma visão esférica, podendo ver tudo ao seu redor, ao mesmo tempo.
Sonho estranho aquele. Será que Deus estava tentando lhe dizer alguma coisa? O que Ele estaria desejando; o que deveria fazer? Ligou a televisão e dirigiu-se para a cozinha. Ligou a máquina de café e pegou uma das inúmeras canecas que se encontravam na pia. Odiava lavar louças.
O som da tv anunciava mais uma prostituta que havia sido atacada. Haviam retirado suas pálpebras num toque de crueldade. Ouviu o repórter dizendo "...e com esta já somam-se 5 vítimas na região; não foram encontradas provas no local do crime e a polícia já suspeita de que mais pessoas possam estar envolvidas."
"Olhos, olhos, o que Deus está querendo me dizer", pensou. Não estava conseguindo fazer uma relação das pálpebras que estava colecionando com o sonho que tivera na noite anterior. Resolveu ler um pouco a bíblia, limpando a sua mente de pensamentos; estaria pronto para receber qualquer mensagem de Deus.
Abriu-a a esmo, folheando-a entre diversos capítulos. Leu diversas páginas mas não conseguia encontrar a resposta. Foi ficando nervoso e num ato impensado, jogou o Livro Sagrado no chão, com raiva de fúria. Vendo a maldade que havia cometido, estendeu a mão para pegar o livro caído, aberto em uma página qualquer. Foi quando botou o olho em um versículo e leu:
"Então todos os que estavam assentados no conselho, fixando os olhos nele, viram o seu rosto como o rosto de um anjo. At 6:15"
A Iluminação veio como um tiro seco contra seu peito; como poderia ter ignorado a mensagem? Riu sozinho e começou a chorar, caindo de joelhos no chão. Sentia-se com a alma lavada e purificada, entregue totalmente aos desígnios Dele. Correu para o quarto e retirou o quadro debaixo do assoalho, colocando-o na cama. No seu armário revirou as gavetas até encontrar linha e agulha; eram um pouco mais grossas do que havia imaginado, mas deveria dar certo.
Retirou uma a uma as pálpebras que estavam no quadro e foi costurando-as lado a lado, até formar uma tira longa e flexível. Depois mediu o diâmetro de sua cabeça e foi enrolando a tira de carne. Notou que faltariam alguns centímetros de pele para que pudesse fazer uma máscara que lhe vestisse completamente a cabeça. Estava muito eufórico para ver seu trabalho pronto e resolveu fazê-la, mesmo que ficasse um pouco apertada.
Trabalho concluído, olhou-se no espelho e notou que algo não estava correto. Não poderia deixar que aquela máscara pura e bela entrasse em contato com o pêlo do seu corpo, escuro e sujo, e poderia contaminar a pureza da máscara. Foi até o banheiro e começou a raspar a cabeça, seguida da barba rala. A sobrancelha veio em seguida e por último os cílios. Olhou-se no espelho e, desta vez, parecia digno e puro.
Pegou a máscara de carne e vestiu-a, marcando o lugar de seus olhos com uma caneta. Retirou-a e fez um corte nas marcas, recolocando-a na cabeça. Apesar de apertada, a máscara adaptou-se bem. O corte ficou perfeito, abrindo-se e fechando conforme o movimento de suas próprias pálpebras. A máscara parecia que interagia com seu íntimo de alguma forma. Olhou-se no espelho e sorriu, sentia uma força enorme dentro de si; estava recebendo a Iluminação de Deus.
Esta noite seria memorável.
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