CHIFRES
DE MARFIM
Luís Valise
O pôr do
sol alongava as sombras dos pés de milho, e o milharal tomava a forma
de um exército em posição de sentido, as espigas fazendo as vezes de baionetas.
Sebastião tirou o chapéu, e com as costas da mão limpou uma gota do suor
que lhe corria pela fronte. O córrego ao lado, por onde deslizava uma
água clara e gorgolejante, despertou-lhe a vontade de urinar. O caboclo
ameaçou mijar aos pés da tropa, mas homem temente à ordem que era, chegou-se
junto da cerca que dividia a propriedade e mijou à farta, sorrindo de
gostosura. Esvaziada a bexiga, Sebastião balangou a trapizonga como de
hábito, sem todavia dar-se conta da proximidade da cerca, e então deu-se
o pior: o beiço da benga prendeu numa ponta do arame farpado, deixando
a estrovenga dependurada feito bagre fisgado pela guelra. O urro do pobre
atraiu a mulher e a filharada, todos boquiabertos ao verem o chouriço
preso pela aba. Ligeira como sempre, Maricleusa correu buscar remédio
que desinfetasse o trabuco. Encontrou um vidro com água sanitária, e sem
vacilar derramou o líquido sobre a piroca ensangüentada. Outro berro,
desta vez seguido de um murro na cabeça da pobre que só queria ajudar.
Injuriada com o castigo injusto, Maricleusa jurou vingança, e lavou a
alma dando à luz uma menina loirinha, loirinha, registrada com o nome
de Cândida.
|