ALMA NA LAVANDERIA
Jayson Viana Aguiar
Osvaldo quase nunca entrava em uma igreja. Não que fosse ateu ou odiasse o catolicismo, apenas não gostava de padres. Simples de explicar: quando criança, ele foi interno de um rigoroso colégio de padres. Cada erro nas respostas de tabuada era sinônimo de palmatória. Cada fuga do internato que era descoberta sempre era punida com castigos severos, onde ficar de joelho por horas sobre caroços de milho não passava de momentos de reflexão. Nunca olvidara o professor de matemática, padre Carmelo, o mais severo dos educadores.
Naquele dia, Osvaldo não se objetara em ir à missa dividindo o mesmo teto com um sacerdote. Tiago e Ana mereciam o justo sacrifício dele assistir à celebração que comemorava suas bodas de prata. Afinal, é difícil ver hoje um casal unido ininterruptamente por vinte e cinco anos.
E Osvaldo já ia saindo da igreja, acompanhado de sua esposa, quando, surpreso, viu seu antigo professor e algoz, o ainda lúcido e firme padre Carmelo, entrar no confessionário para ouvir o pecados daqueles que queriam eximi-los pela penitência. O antigo interno do colégio não teve dúvida do que queria fazer. Pediu licença à esposa que, estranhando o comportamento do marido, o viu dirigir-se para o confessionário.
Uma cortina não deixava que padre e confessor se vissem, porém, não atrapalhava as vozes sussurradas.
- Padre, posso confessar faltas muito antigas?
- Nunca é tarde para a confissão de pecados!
- Padre, quando criança, estudei em um internato. Não era muito bom em tabuada e levava muito bolo de palmatória.
- Errar a tabuada não é pecado, meu filho. E palmatória é um recurso educativo que deveria voltar à escola moderna.
- O problema, padre, é que para cada bolo que tomava na mão, eu inventava uma traquinagem para descontar. Por isto, toda minha raiva, contida na hora, era revidada, posteriormente, em um padre que também era o professor que mais me castigava os erros. Entrei furtivamente em sua camarinha e pus urtiga em seu catre; serrei uma perna da cadeira que usava em minha sala de aula para que caísse de rabo no chão; roubei, de um varal, muitas de suas batinas que secavam da lavagem e as enterrei em um canteiro do colégio; colei fotos de mulheres nuas no seu escaninho de professor; furtei na secretaria, véspera de exame, um dificílimo teste de matemática e o repassei a todos de minha turma para que se saíssem bem; pus um sapo dentro de sua botina...
Padre Carmelo escutava a confissão como quem escutava alguém falar de um livro que já lido. Na época, tentara inúmeras vezes, sem êxito, descobrir quem era o aluno que tanto aprontava. E agora, todo este tempo depois, escutava a voz daquele que fora tão traquina. Não precisava ver o rosto do confessor para lembrar-se do antigo aluno, pacato, de quem nunca levantara suspeitas.
- Basta de pecados - carpiu o rancoroso padre - Já há pecados para três rosários de penitência.
Osvaldo saiu desta confissão dizendo que estava de alma lavada.
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