CORRESPONDÊNCIA
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Doca Ramos Mello
Prezado Companheiro:
Tudo na santa? Estimo.
Tenho visto o senhor na tv, que belezura, heim? Adorei o arquivo confidencial, ainda mais com a Fátima Bernardes, ficou ótimo.
Poxa, estou muito orgulhosíssimo com a sua eleição, pois é a primeira vez que um trabalhador vira presidente, isso me emociona demais, quase me faz chorar... A gente nunca fez comentários sobre isso, sinceramente, porque no fundo sempre houve certo medo de que a corda arrebentasse do nosso lado, o senhor sabe como são as coisas, tudo desaba no lombo do povo, a gente é saco de pancada, mas bem que estamos carecas de saber que, antes de o senhor pegar a faixa, este país só viu na presidência uma cambada de vagabundos. Com todo respeito, mas é isso aí.
Acabou!
Agora, é o senhor!
Posso chamar de você, né? Afinal eu até já consegui o seu autógrafo... Quando me contaram que você ia aparecer no meio da rua e do povo, tratei de vestir minha camiseta do timão - a Tiazinha e o Reginaldo Rossi colocaram dedicatória nela, p'ra mim - e corri para ter a sua assinatura também. Quase que peguei ainda um abraço seu, sabia? Se não peguei foi por culpa da minha patroa que, bem no momento em que você abria os braços para o meu lado, torceu feio o pé, agarrou-se em mim e me arrastou para o chão, ô tombo! Na hora, fiquei tão cego de raiva que me deu vontade de esganar a lerda, mas fazer o quê? Já tinha perdido mesmo o abraço, fui para o pronto-socorro, um aborrecimento.
Sim, mas estou aqui para agradecer. Muito. Com a sua eleição, fiz uma faxina completa na minha vida: tirei o pó dos meus sonhos, varri os incômodos da minha cabeça, lavei a alma, botei meu espírito para quarar, alvejei meus pecados, estou com todas as esperanças de molho, removi as manchas das emoções ruins, esfreguei o passado, enchi meu coração de amaciante! Estou assim: paz e amor.
Quer saber, companheiro? Tô novinho em folha, zero bala. Minha nova realidade social e pessoal começa no dia 1º de janeiro. Ou no dia 6, o senhor vê aí a data, o senhor manda.
Não teve um escritor que explicou ser, na verdade, um legítimo Silva, apesar de usar outro sobrenome? Aconteceu comigo também. O senhor... você! Você, portanto, não se impressione com isso de Amarante Soares da minha certidão, é tudo besteira. Meu tataravô por parte de mãe era primeiro Silva, depois Amarante. A gente não herdou o Silva por desleixo do pessoal do cartório. Além disso, eu pesquisei e posso lhe garantir que Soares é uma vertente de Silva, só que leva duas letras "s", uma no começo, outra no final - mais baboseira, quem se preocupa com os "esses" hoje em dia? Então, eu sou Silva da Silva, a gente é parente, companheiro!
Quer saber? Eu já estava por aqui, ó, entalado com essas histórias de presidentes vagabundos, nunca me conformei, era uma coisa triste, especialmente quando chegava visita, todo mundo reparava, ficava mal para a nossa imagem. Bem, isso é página virada e só faltam poucos dias derradeiros para a gente se livrar do cara que está aí e não fica vermelho quando se diz sociólogo e professor... Vê se isso é trabalho, ora, ora... Esse vexame está pelas tabelas, já vai tarde, Deus nos livre de um sujeito que permaneceu no governo por oito anos, sempre falando numa língua do cão que ninguém nunca compreendeu, valei-nos santas almas! E ainda há quem não saiba por que o país se encontra nesta pindaíba, rolando ribanceira abaixo...
Sofro enjôos só de lembrar do homem falando americano e outras porcarias pelos cotovelos, mundo afora, credo! Penso como Mauro Chaves, do Estadão: "Diploma ainda vai dar cadeia". Tem mais é que dar mesmo, coisa mais inconveniente, eu, heim... E aqueles títulos todos? As condecorações? Mestre não-sei-das-quantas, honoris seja-lá-o-que-for, doutor patati-patatá, eu não suporto. Indecências!
Acabou!
Agora, é o senhor, aleluia!
Dia desses, passo para um arroz-com-feijão, mas fique frio que levo a sobremesa - a gente é parente, porém eu não vou abusar.
Até mais,
Jairo Amarante Soares
Da Silva! Da Silva!
Obs: Queria muito ser fiscal na prefeitura de São Paulo, mas exigem diploma!!!! Você não me quebra esse galho com dona Marta?
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