COMO
VOCÊ ESTÁ?
Carlos C. Alberts
"Como você está, pai?"
"Mal. Estou ouvindo cada vez menos. Sua mãe quase me deixa louco. Não agüento mais dormir somente de barriga para cima. Mas o pior é ter que atrapalhar a sua irmã e o seu cunhado. Eles têm que me tirar e pôr na cama. Empurrar a cadeira de rodas pela casa. Ajudar no meu banho. Me sinto um estorvo para eles".
Assim era o início da maioria das conversas semanais que tinha com meu pai, por telefone. No seu último ano de vida. Depois, a conversa melhorava. Eu contava as novidades do neto quase recém nascido. Ele discorria sobre alguma passagem da intrincada historia da Europa, durante a idade média. Ou falava sobre alguma obscura tribo africana. Ou, ainda, me perguntava sobre algum animal raro ou qualquer outro aspecto da zoologia que lhe intrigasse. Depois vinha um pouco de discussão política (ele sempre metendo o pau no PT, mas reconhecendo uma ou outra "atitude civilizada" de alguém do partido).
Sempre tentei aproveitar ao máximo estas conversas. Sabia que seriam as últimas. Já sentia a solidão por saber que quando ele se fosse, sobre certas coisas não poderia conversar nunca mais. Não com a mesma alegria. Estava consciente que minha enciclopédia, meu Atlas e meus tratados históricos particulares já não estariam à mão. E não somente isto. O meu exemplo, tanto pelo bem como pelo mal, não poderia mais ser consultado com detalhe. Ainda assim, aquela primeira parte da conversa era muito dolorosa. Principalmente pelo contraste das respostas que meu pai dava a outras pessoas que lhe faziam a mesma pergunta.
"Estou muito bem. Ótimo mesmo. A cadeira de rodas é meio chata, mas tenho meus livros, meus documentários, meus jornais. Além disso, minha família está sempre por perto. O que mais posso querer na vida?"
Era muito convincente e as pessoas achavam que às vezes eu me preocupava à toa. Ficava muito triste por ele reclamar somente comigo.
Quando meu pai morreu, e somente aí, eu compreendi. Em meio à toda a dor e abandono que senti, percebi que ele tinha elegido a mim como confidente. Chegou mesmo a falar do medo da morte (para minha surpresa, já que era um homem tão forte). Ele havia escolhido a mim para desabafar. Somente em mim ele confiou para falar de seu sofrimento. A compreensão deste fato me fez sentir com se estivesse tomando um banho quente depois de ter ficado muito tempo na chuva e no frio. Um banho que lavou minha alma. Percebi que pude retribuir, uma coisa mínima, é verdade, por todos os sacrifícios que ele fez por mim em sua vida. Pelo menos por uma vez fui um bom filho. Isto me permitiu continuar.
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