SOU
LIVRE
Ana Terra
Bruscamente, numa esquina qualquer, fui apresentada a você. De uma forma incompreensível. Suas garras e seu sorriso mórbido me paralisaram deixando-me estática. Parti para outra dimensão. Senti medo e fascínio pelo desconhecido. Mas, você veio em minha direção de uma forma tão violenta que minha alma não suportou. Apertou minha garganta, deixando-me sem ar. Como não sabia quem era você, tive que lutar para que minha lucidez não me abandonasse. Meu coração batia acelerado. O sangue disparou nas minhas veias. E você sorria, sem se importar com meu medo. Eu, de cima, a tudo via, sem qualquer condição de defesa, percebendo que você estava controlando meus gestos e movimentos. Saí da esquina e fui para um deserto. Estava só. Cada movimento meu era tragado pela areia e, aos poucos, fui me sentindo soterrada. Tentei gritar por socorro, mas me faltava a voz. Dor e medo sem eco dentro de mim. Sensação de morte explícita e inevitável. Certeza que vou morrer, mas não queria alvoroço. A pouca lucidez que me restou, conservou minha dignidade. Não morro, mas desfaleço, me desfaço. Quem é você? Quem sou eu? Você não me deixava em paz, não me deixava só. Companhia apavorante. Queria pensar, mas você não permitia. Questiono e chego à conclusão de que nada sei. Diante de meu entulho, me acolho em meu próprio útero, sendo eu o meu feto. Ali fiquei, esperando você passar. Através da janela do meu quarto, vejo a esquina. Tão próxima e agora inatingível. Meu mundo se resumiu na janela e na esquina. Tudo passava e eu na contra-mão da vida. Emocionava-me lembrar que já fui até o final do mundo. Livre. Agora estava presa, tendo você como meu carcereiro invisível. Perdi o controle do corpo e da mente. Achei que nunca iria conseguir te vencer. Seus olhos enormes me deixavam imobilizada. Tornei-me sua escrava, com a alma doída e açoitada. Meu corpo padecia e eu via as marcas, vestígios e cicatrizes se instalando para sempre. O rastro deixado por você o tempo não apaga. A vida seguiu sem mim. O tempo não parou. Eu, um pássaro preso dentro de uma gaiola aberta. Sabia que tinha asas, mas nunca ia. Ficava. Ensaiava vôos, mas você me impedia de ganhar o céu azul. Apoiada numa muleta, voltei à esquina onde te conheci. Apesar de sua presença mórbida, consegui ver as setas que me indicavam caminhos. Vi que o mundo me pertencia e você não iria me impedir de conquistá-lo. Senti que havia chegado a hora de te desafiar. Tirei forças das profundezas da minha alma e resolvi que não mais seria sua escrava. Não queria mais ficar na gaiola que você me impôs. Timidamente, tentei voar com minhas asas descompassadas e frágeis. Tive medo de cair, mas lancei-me sobre todos os obstáculos. No início do meu vôo, seu rastro de medo ainda estava presente. Tentei vencer o medo de ter medo. Sabia que precisava voltar a voar. Um pouco a cada dia. Saí da minha gaiola-cativeiro e me lancei, sem rumo, sem setas, apenas guiada por meu instinto. Vi, que, aos poucos me libertava de você. Sei, que até hoje, você me persegue, mas não me assusta. Aprendi a me defender de você. Sinto sua presença, agora tímida, sempre ao meu lado. Mas você aprendeu a me respeitar Voando e sonhando, continuo meu caminho. Sei que você está ao meu lado, me espreitando. Nada posso fazer para me livrar de você. Mas fiz você entender que será difícil me assustar com suas garras e seu sorriso mórbido. Da próxima vez que te encontrar numa esquina qualquer, sei que meu coração vai acelerar, mas só um pouquinho. Suas garras não mais me impedirão de respirar. Afinal, sou livre.
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