PÁLPEBRA DE NEBLINA
Rosi Luna
Não lembro de nada. Acho que a lobotomia foi bem aplicada. Vermelhas, com grandes veias, quase azuis uma agricultura irrigada de jardins cerebrais. Quando abriam abaixo da
sobrancelha fugiam todas as certezas, abriam uma porta de carinho, achando o barco onde eu perderia a linha do clandestino.
Tive coragem também, agora e sempre. Da vergadura que me apunhalavam aos teus degredos. Coragem de acordar e sentir tua pele por uma tela, uma maciez branca de
lençóis, me sentia presa por anzóis. Na claridade de quem mente a razão de chegar perto do complexo humano rodoviário que me levasse a você - o acesso.
Porque marcavam o limite da perdição. O ponto onde poderia sobreviver aquela química - papel revelador. Queria poder saber a fotografia dos teus sentimentos na clara em neve dos teus óculos, mas eles não me viam. Por causa deles, sempre soube, abstrato, que morte poderia ter tido além do teu corpo abissal.
Talvez tenham sido inocentes tuas lentes (talvez eu saiba, foram feitas pra enxergar
o palpável e não pra revelar o imaginário). Não, eu as amei esporadicamente, odiei porque eram dele, fiz abdominais pra me aproximar de ti, porque não tinha cerca no caminho em direção aos nossos momentos, da tua impossibilidade de amor, da tua possibilidade de amar um cupido arqueiro.
Meu amor foi reta, olho fechado, cio catalino que desnudava a palma da tua mão. Teu amor nunca foi pálpebra de neblina, névoa de ventos profanos, mar aberto de carência. Foi bem artificial que tentasse esquecer onde mais te amei.
Não queria abrir teus olhos, mas te seguir pela neblina dos teus pêlos até que cercasse mais uma vez a entrada do teu coração.
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