VISÃO ETERNA
Rodrigo Stulzer Lopes

A mulher foi arrastada até o beco escuro e úmido; sua boca, coberta por uma fita larga e brilhante, a impedia de gritar. Seu pé direito sangrava.  Havia perdido o sapato tentando livrar-se da mão forte que a sufocava. Finalmente pararam de se movimentar. Escutou o homem falar algo desconexo e sem sentido; parecia estar sob o efeito de drogas. O cheiro de seu corpo era azedo e enjoativo, lembrando leite estragado. Desmaiou.

Acordou sentindo um frio percorrer-lhe a espinha. Seus olhos, ele estava fazendo algo com seus olhos! A navalha brilhou com o reflexo dos faróis de um carro distante, descendo novamente no rosto dela. A pálpebra esquerda já havia sido cortada, restava somente a direita.

Esta mulher era brava, resmungava muito e esperneava como a muito tempo não via. Cortou a pálpebra esquerda com habilidade cirúrgica. O trabalho só não era mais perfeito porque ela insistia em se mexer. O rosto agora chorava sangue e ela desmaiou novamente. Disparou a câmera e verificou se a foto estava boa. Com estas novas máquinas digitais as coisas tinham ficado muito mais fáceis, não era mais preciso ter todo aquele equipamento em casa para revelá-las.

Guardou os pedaços de carne em um saco plástico e colocou-o no bolso. Certificou-se que a mulher ainda respirava e saiu calmamente, observando o luar. Como a natureza poderia ter criado coisas tão bonitas como a lua? Sentia-se feliz por dar a dádiva da visão eterna para aquela mulher.

Chegou em casa e estava cansado, o dia havia sido cheio. Entrou pela porta dos fundos e dirigiu-se para o quarto. Excitado, retirou duas tábuas soltas do assoalho, colocando a mão dentro do espaço aberto, a procura de algo. Retirou de seu esconderijo um quadro de madeira recoberto por um vidro brilhante e lustroso. Sentou-se na cama e colocou o quadro sobre o colo. Gentilmente, deslizou o vidro deixando o seu conteúdo exposto. Como aqueles quadros de borboletas e escaravelhos mortos, enfileiravam-se duas colunas de pálpebras humanas; eram dezessete conjuntos ao todo. Seu cuidado parecia ser de um colecionador; cada uma estava limpa e esticada, com pequeninos pregos. Abaixo liam-se dados como "Branca, 23 anos, loira", seguidos de uma data.

Retirou o plástico do bolso e abriu-o calmamente. Pegou um pouco de algodão e limpou cada pedaço de carne com um pouco de água oxigenada. Secou-os rapidamente e pregou-os no quadro. Ficou fitando-o por alguns minutos e lembrando de suas vítimas. Guardou novamente o quadro no assoalho, colocando as tábuas no lugar. Deitou-se na cama e rezou. Sabia qual era sua missão na Terra, mas algo lhe intrigava; Deus seria insaciável mesmo? Para quantas mulheres teria que dar a visão eterna até que Ele lhe reconhecesse como seu filho verdadeiro?

Dormiu calmamente. Amanhã seria um novo dia.

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