PÁLPEBRAS E SONHOS
Jayson Viana Aguiar
Todo sábado era a mesma rotina: seu Joaquim entrava na casa lotérica e postava-se em frente ao balcão onde existia impressos para jogos; tomava uma volante não marcada; fechava as pálpebras como se, de olhos cerrados, conseguisse enxergar algum palpite melhor para a aposta.
Era assim que todos os funcionários da casa de jogos imaginavam, que ele fechasse as pálpebras em busca de algum vaticínio. Porém, não era isto. A cada sábado, a cada vez que vedava os olhos, não buscava previsões, mas se imaginava pilotando o próprio avião, ou fazendo um cruzeiro em volta do mundo ou comprando carros de luxo ou trocando a velha casa do Pirambu por uma cobertura na Praia de Iracema. Claro que a realização dos sonhos dependia da sorte, do grande prêmio que ainda não ganhara. E por que a sorte não viria justamente com esse jogo que estava preste a fazer? Há dois meses que o grande prêmio não sai para ninguém, só acumula.
Somente depois de toda uma série de considerações e sonhos prévios, seguindo a mesmíssima rotina de sempre, ele abre os olhos, marca a volante, confere os números da semana que passou com a última aposta que fizera apenas para ratificar que nunca ganha nada e entra na fila para fazer o novo jogo.
Uma vez na fila, lembra-se que, durante anos, não falhou um único sábado na esperança de ficar rico, indo à lotérica, postando-se no balcão, cerrando as pálpebras, sonhando com a contemplação que nunca veio, abrindo os olhos para marcar o jogo, conferindo a aposta da semana que passou, pegando fila: talvez fosse melhor desistir.
* * *
No sábado seguinte chegou na lotérica com a intenção de não mais jogar, mas apenas conferir a derradeira aposta. Postou-se no balcão e, pulando as etapas anteriores, foi direto à placa que continha os números sorteados na semana de seu último jogo. Não fez mais nada além de cerrar as pálpebras pela derradeira vez. O coração não agüentou a emoção de ganhar sozinho o grande prêmio.
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