LUZ
E LÁGRIMAS
Cavour Sanino
Como pequenas cortinas que se abatem sobre a nossa pretensa capacidade de enxergar, elas nos deixam no escuro a todo instante. Pequenos escuros, diga-se à luz da verdade, mas inúmeros, incontáveis durante o breve espaço de um dia e tanto inúmeras e incontáveis vezes enquanto existimos, ou temos a percepção de fazer parte de uma realidade fora de nós.
Para os céticos e cientificistas, pálpebras não passam de membranas controladas pelo sistema nervoso simpático (ou seria parassimpático? Enfim, aquele que independe da nossa vontade). Teriam assim uma função umidificante: valem-se dos humores produzidos pelas fossas lacrimais para que os globos oculares mantenham-se aptos a distinguir visualmente as nuances do mundo.
Sou de outra opinião. Pálpebras são as vírgulas dos pensamentos, nos induzem às piscadelas necessárias para que entremos em contato com nosso mundo interior, tão ou mais vasto que o que captamos por nossos veículos perceptivos.
Quando dormimos, as pálpebras caem sobre nossas vistas para que tenhamos a serenidade e a penumbra necessária para virarmos a página, ou termos um temporário ponto final até que recomece o novo capítulo.
Não por acaso, um novo livro recomeça a partir do gesto simbólico dos dedos dos outros que movimentam as pálpebras de cima para baixo para sempre. Ou aparentemente para sempre. Não é assim que se faz com os mortos tomados de susto e que não têm tempo de cerrar os olhos?
Voltando à vida, pálpebras nos fazem chorar. Frações de segundo intermitentes de pequenos prantos regados por micromiligramas de lágrimas. Choramos pela falta do fluxo de luz cortado pelas pálpebras? Ou pela vontade de ficarmos mais tempo em contato com nossas próprias (e reveladoras) trevas? Fechar os olhos pode (nos)aproximar (d)as respostas.
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