SACRIFÍCIO 
Mairy Sarmanho

Inês olhou para o filho e sorriu, orgulhosa. Aos cinco anos o pequeno Tiago já demonstrava a beleza herdada do pai: olhos azuis amendoados, uma vasta cabeleira loira e um sorriso de propaganda de creme dental. Seria alto como seu genitor, inteligente como ela, esperto como a tia, político feito o avô. Enfim, tinha certeza de ter construído uma obra prima digna do criador!

Deliciou-se com a idéia de ser aclamada mãe daquele ser perfeito, maravilhoso no seu ponto de vista. 

- Que trepada bem feita! - Pensou, sem ousar dizer as palavras, para que o pequeno não sujasse seus lábios divinos com o vocabulário de submundo. Queria mantê-lo ileso, com uma educação principesca, criado longe das maldades e desleixos que a todos contamina.

Inês ficou observando o filho brincar na grama encantada com a graça de seus movimentos serenos, imaginou se não havia dado a luz ao salvador, o eleito, o enviado... Suspirou, preferia que não. Aceitava a perfeição divina do pequeno mas não pretendia sua purificação. Os bons sofrem demais e ela não gostaria de vê-lo, sequer, derramar uma única lágrima sobre aquele rosto muito mais do que lindo!

Uma menina magrinha, descabelada e muito sem graça aproximou-se agilmente do menino e deu-lhe um beijo audacioso, suado e lambuzado, ao qual ele não revidou ou impediu. Inês teve vontade de avançar-se na pequena, mas temendo a presença de sua mãe e o escândalo que sua atitude poderia causar, limitou-se a tremer o dedo mínimo da mão direita, coisa que costumava fazer desde menina.

Engoliu em seco e previu as indelicadezas do futuro, uma nora sem educação ou trato entrando em suas vidas, arrancando sua preciosa criatura e carregando-o para longe. Teve vontade de repatriá-lo ao seu útero, esmigalhar sua cabeça linda entre os ovários e impedi-lo de sair de suas entranhas, tão dominada pelo ódio e terror que sentiu naquele instante. Mas deixou-se ficar no lugar, suando, observando o filho como uma gata observa a cria enquanto um rato se aproxima... 

O menino olhou-a de relance e fingiu não perceber a necessidade que tinha de controlá-lo. Inês sentiu raiva do pequeno pois ele sabia muito bem qual era sua grande fraqueza.

A mãe da menina aproximou-se e, sorrindo com seus dentes desencontrados, comentou:

- Eles são tão bonitinhos juntos... Como se dão bem!

Inês olhou o filho próximo da bruxinha descabelada e teve vontade de gritar:

- O meu filho é lindo, a sua filha é a coisa mais horrorosa que Deus colocou no mundo, puxou a mãe, feiosa!

Mas conteve a língua e sorriu com desdém. Maldita vida que a colocava em situações deprimentes...

Olhou para o relógio e, erguendo-se, sussurrou no ouvido ergometricamente perfeito do menino:

- Vamos para casa, Tiago.

O menino fez uma careta, encarou-a em desafio, abraçou a coisinha feia ao seu lado que sorriu desdentada e retrucou:

- Vá você! Eu vou ficar brincando com a minha Ritinha!

Inês sentiu o sangue subir para as faces e teve vontade de avançar-se no menino, arranhar-lhe o rosto, arrastá-lo pelo braço até deslocar os ossos, levá-lo para casa à força e livrá-lo da presença massacrante da menina que se chamava Rita e da qual se tornara tão íntimo instantaneamente. 

Mas teve que ceder ao capricho do maravilhoso ser e retirou-se, humilhada, porque sabia que a vida trocava perfeição por sacrifício. E Inês era capaz de sacrificar-se pelo filho! 

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