O
TESOURO
Ly Sabas
Estava sentada no chão, pernas cruzadas em uma posição nada confortável para sua artrose, e tinha espalhado ao seu redor, as diversas caixas que tirara do armário. Em duas delas guardava seu tesouro. Sua memória fotográfica. Procurava por uma foto onde estava registrada sua raiz. A família de sua mãe. Lembrou-se, de repente, que a mesma estava em um álbum que fora de uma tia e agora sua filha era a guardiã. Começou a recolocar os diversos álbuns, saldos de uma vida tão longa, nas caixas. Desfolhava cada um examinando com carinho, passando os dedos nos rostos amados e derramando algumas lágrimas de saudade. Trêmula de emoção encontrou um, cuja capa representava um campo, com a grama azulada por uma enorme lua cheia e salpicado por diversas flores. Fecha os olhos e apertando-o contra o peito, levanta-se com dificuldade. Respirando fundo caminha até o sofá, estrategicamente posicionado embaixo da grande janela. Era ali que passava a maior parte de seus dias. Relendo o passado.
Este álbum especial havia sido criado exatamente para isso. Para que fosse possível rever o passado; de forma cronológica e, por que não dizer, poética. Eram fotos de suas meninas, sempre juntas. Uma de cada ano. Na primeira, via-se uma garotinha, com um sorriso muito mais do que lindo, segurando ao colo toda orgulhosa, um bebê ainda carequinha.
Nas outras, em diferentes posições, ora abraçadas ou simplesmente encostadas, transmitiam um amor genuíno que ia dos lábios até os olhos cor de mel. Por essas preciosidades podia acompanhar o desenvolvimento de seus amores. Observar os diversos tipos de cortes nos cabelos cacheados. Divertir-se com os penteados que iam da tradicional maria chiquinha, passando pelos espetados do final dos anos oitenta até chegar ao longo displicente da adolescência. Relembrar os brinquedos favoritos e as cores preferidas na infância, que não diferiam muito das utilizadas na idade adulta. E o estilo das roupas? Eram décadas de moda! Havia fotos com os bichos de estimação. Ah, que saudade daqueles gatos. Em outras, ficava latente o cuidado que tinham com os corpos bronzeados. Mas em todas se notava o jeitinho doce de uma e o dinâmico da outra...
Foi até a última foto viajando nas recordações e sorriu feliz ao verificar que ainda havia alguns plásticos a serem preenchidos. Quem sabe, teria tempo de ver uma,onde as rugas empanariam um pouco o brilho daqueles olhares confiantes?
Recosta a cabeça no sofá e, como faz há tantos anos, agradece aos céus a dádiva de tanto amor.
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