MUITO MAIS DO QUE LINDO
Ivone Carvalho

Eu ficava apreciando de longe. Vez ou outra eu até me atrevia a dar alguma opinião, expor alguma idéia, relatar algum fato. Mas não ia muito além disso. 

Sentia-me bem observando-o. Existia nele algo que me chamava a atenção. Eu não sabia bem o que era, porque poucas vezes falei com ele mais demoradamente. Era interessante a forma como, vez ou outra, nos comunicávamos. Existia uma espécie de carinho diferente, uma soma de amizade, de fraternidade, de identidade, enfim, era alguma coisa especial, impossível de se definir.

Houve uma época em que ele deixou de comparecer às reuniões do nosso grupo e quando eu soube que sua intenção era de mudar-se definitivamente para longe, senti um aperto no coração, que parecia mais uma saudade antecipada e a certeza do vazio que ficaria.

Não resisti a essa notícia e me encorajei a dizer-lhe que sentiria sua falta. Sua resposta de que não seriam as nossas reuniões o nosso único elo e que, independentemente de qualquer coisa continuaríamos a nos falar, a nos comunicar e a trocarmos idéias, tranqüilizou-me um pouco, embora eu continuasse sentindo aquele vazio quando a turma se encontrava.

Assim, seguimos por longo tempo mantendo contato eventualmente, mas, embora não existisse mais a freqüência de antes, eu me sentia, de certa forma, um pouco mais próxima dele, porque sentia, cada vez que nos falávamos, uma intimidade maior, uma confiança mútua crescendo pouco a pouco, uma certa cumplicidade surgindo e se firmando entre nós.

Falávamos de nós, das nossas vidas, dos nossos sonhos. Revelávamos progressivamente a nossa forma de pensar, de sentir, de viver. 

Eu sentia uma imensa saudade quando passava um tempo maior sem ter notícias dele, mas ele nunca soube disso. 

Apesar de tudo, eu continuava mantendo aquela mesma distância aparente que eu mantinha nos tempos em que o grupo se reunia, porém, sempre tentando mostrar a ele que eu o considerava uma pessoa muito especial. 

Existia, entre nós, uma espécie de respeito que não nos permitia uma aproximação maior. Eu, na verdade, nem me permitia pensar em avançar o sinal no nosso relacionamento, até por medo de ser mal interpretada. Sabia que se isso acontecesse, eu poderia perder muito mais do que um amigo ou um irmão, porque perderia a soma do amigo, do irmão e do homem que me fazia tão bem ao coração, aos meus pensamentos e aos meus mais íntimos desejos.

Mas o tempo, esse nosso velho e bom amigo chamado tempo, encarregou-se de tudo sozinho. Hoje, mais do que nunca, eu tenho certeza de que não é preciso forçar barras, precipitar ou mesmo lutar para conquistar alguém, porque se isso tiver que acontecer, o destino, a vida, a natureza, Deus, enfim, dê o nome que quiser a isso, mas algo maior se encarrega dessa aproximação. 

Tudo que precisamos é deixar que as coisas fluam naturalmente, sempre!

E foi exatamente isso o que aconteceu. 

Certa noite, por acaso, nos encontramos. Como sempre, aproximei-me com certa timidez. É impressionante, mas eu não sou assim, tão tímida! Mas a presença dele sempre me intimidou, porque sempre senti receio de fazer com que minhas palavras ou os meus olhos me traíssem, revelando tudo que eu não me permitia que a ele fosse revelado.

Mas, nesta noite, foi diferente. Totalmente diferente! 

Não sei bem o que tinha acontecido, ou mesmo o que aconteceu. Só sei que num momento que eu menos esperava eu vi, diante de mim, um homem cheio de amor, transbordando paixão, sem medo de dizer o que sentia vontade, sem medir palavras para revelar-me os mesmos sentimentos que sempre dele eu escondi. 

Parecia um sonho! Palavras e gestos de carinho sucederam-se progressivamente, arrancando de ambos tudo que estava sendo guardado há tanto tempo, permitindo-nos extravasar todo ardor daquela paixão que por longo tempo ficou sufocada. 

Desse momento em diante, eu descobri o quanto eu precisava dele para me sentir feliz. E descobri mais! Descobri que o amor é lindo, mas que amar da forma como sempre o amei e sigo amando, é muito mais do que lindo! 

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