AS TRÍADES
Fernando Zocca

Se eu perdesse aquele trem que sairia às treze horas, daquela segunda-feira, meu amigo, estaria completamente ferrado. Só teria outro no dia seguinte depois do almoço. Por isso tratei de apressar o banho. Quando me ensaboava notei um fato curioso: havia sinais de vida naquela linha abaixo da cintura. Sim! Ora veja! Há quanto tempo, meu querido! Ereção completa! Quanta saudade! Quantas alegrias! Quando foi a última vez que isso ocorreu mesmo? Sentí ímpetos de sair correndo e contar tudo pra turma do bocha. 

Tentando responder minha pergunta, a mente em flashbacks reapresentava a consciência um dia quase semelhante vivido dez anos antes. Eu estava de namorada nova. Era lindíssima. Alta magra e caucasóide. Seus cabelos negros e curtos me deixavam completamente transtornado, a ponto de não conseguir manter conexões carnais com ela. A empolgação era tanta que ejaculava antes mesmo dela tirar a calcinha. Como eu não era besta, nem nada, não me apoquentava nessas situações humilhantes. Resolvia o problema com bronhas antes dos encontros. Os atos baixavam os níveis de esperma nas vesículas seminais. Reduziam também a sensibilidade na glande permitindo ereção por mais tempo. Precisava de no mínimo três nas terças, quintas, sábados e domingos, quando saíamos juntos. E mesmo assim, a lembrança dela, durante os banhos, como ocorre hoje, enrijecia o bimbo de tal forma que ele suportava a toalha molhada igual ao cabide desses que existem por aí.

Mas isso foi há muito tempo. Atualmente meus ombros estreitos, bundão largo, braços finos, calvície e artrite impedem-me de sequer pensar em aventuras fora, como direi, do consórcio.

Mas, terminando o ato com o qual deixava as impurezas do corpo nas águas que rolavam, e vestindo aquela calça preta e a camisa azul de linho, cara pra caramba, saí da espelunca que me abrigava, tomando o rumo da estação ferroviária. 

No trajeto,lembrei-me não sei por que cargas d'água, do primeiro dia em que cheguei à cidade. Procurava por uma gata, que seria, como direi, ideal para mim, alma gêmea. Sabe como é? Bem, a única que conheci, naquele trecho do universo, tinha o mau hábito de sorrir mostrando ostensivamente os caninos super desenvolvidos. Causava um certo receio estar junto dela. Por isso abandonei aquela pretensão intempestiva de casório. 

Na calçada, caminhando ao meu lado, um bebum, com a latinha de cerveja numa das mãos, e o cigarrinho na outra, dizia convicto para a cachorrinha que o seguia: "Você é um amor de gente". E quando me viu perguntou o que poderia fazer com alguém que havia lhe passado um cheque "assustado". De repente São Pedro abriu a porta da geladeira e uma névoa fria tomou conta da cidade. Encolhí-me todo. 

Quando olhei para o chão, desviando meu olhar do zonzo, notei um panfleto inusitado. Era um convite para a estréia do circo novo que se instalava na cidade. Ele apregoava: "Não perca! Hoje sensacional estréia. As tríades de Isaura e seus micos amestrados".

Chutei-o para a sarjeta. E refletindo nas palavras de W. James, que afirmava: "As vidas baseadas em ter algo são menos livres do que as que se baseiam em fazer ou em ser", e considerando tal pensamento muito mais do que lindo, espertíssimo até, entrei na estação onde tomaria o último trem que me levaria de volta para casa. 

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