BATES MOTEL
Adlai Hoartmann
...e subitamente você é acordado com o som surdo de carne contra a madeira, ao abrir seus olhos, abre-se a cena, ela caindo ao seus pés, ele de tronco nu e punhos dolorosamente fechados. Você tenta dizer alguma coisa mas engasga-se com a atadura de silvertape que cobre sua boca, tenta se mover e percebe-se de mãos e pés também atados, só então você percebe que seus pulsos estão doloridos, você pensa que é hora de racionalizar e ao suspirar percebe que a cada profunda incursão de ar pra dentro dos pulmões sente intensa dor nas costas. Racionalizar. Ele a pega pelo cotovelo e ela se desvencilha jogando o corpo para trás, escorrega pelos dedos dele, sem ruído, por causa do suor que cobre finamente a pele. Nada que há naquela sala lhe lembra, nem distantemente, algo confortável, criados mudos, quadros ordinários, cama, abajur verde, sapatos, sim os sapatos são seus você se lembra de tê-los comprado, mas não lembra nem quando, nem como, nem onde. Racionalizar. Ela. Ele. Quem são eles? Você decide tentar associar objetos, quarto ordinário de algum motel de quinta e cheiro forte de desinfetante de pinho, Você, Ele e Ela. Quem são eles? Ele tem o queixo quadrado, a barba por fazer e músculos definidos, mas o que não lhe lembra nada. Memória. Racionalizar, é isso que você precisa. A cama está com os lençóis desarranjados, aliás que horas são? Pela fresta da janela por detrás do homem você percebe a noite. Certas certezas te deixam até mais tranqüilo, muito bom, é noite. Ela derruba alguma coisa no chão, você se vira, é o abajur que agora jaz quebrado bem próximo de você. Ela grita surdamente, uma, duas vezes, ela grita mas você parece não conseguir escutar nada, você está nervoso, sente a cavalgada do coração em direção a boca, é isso, você não está surdo está nervoso, apesar de não entender o que ela diz, confusão, você acha que a sua cabeça dói, ou seu pescoço, você não tem certeza, apesar disso é possível ler os lábios dela, parece que ela grita ESTÚPIDO, ESTÚPIDO, ela grita outras coisas mas que são impossíveis de entender pela sintaxe dos lábios. Ela chora isso você tem certeza. Ela tem os olhos redondos e afundados em um rosto que parece ser de madeira. Ela é linda. Linda. Muito mais que linda, dolorosa. Racionalizar você pensa, essa é a saída. Ela lhe lembra alguém confortável. Isso te deixa um pouco mais seguro. Mas quem? Ela tenta jogar um cinzeiro contra o homem. Erra. E quase o acerta. Mas você só pode se concentrar no quão lindos lábios, duas margens de carne, rosa-sangue e edema e um pequeno hematoma em flor como um lírio lilás e subitamente você é acordado com o som surdo de ferro contra carne, ao abrir os olhos abre-se a cena, ela caindo a seus pés, morta com uma rosa vermelha nascendo e brotando do peito, sua respiração não pode ser profunda por que dói as costas ao tentar respirar, você tenta dizer que agora você se lembrou de quase tudo e logo sente a ponta de uma botina cutucando suas costelas, você se vira, ele empunha um revólver, você se lembra daquele revólver, comprou em uma feira numa cidadezinha colombiana mas daí não há mais tempo de lembrar de mais nada...
...criados mudos que fingem não terem visto nada
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