A PARTE QUE ME CABE
Míriam Salles

Toda questão tem pelo menos dois argumentos, um a favor e um contra, mas às vezes eu me vejo sem argumento nenhum. Em geral, isso acontece quando tenho que discutir com um dos filhos.

A mais velha, a mais dura na queda, tem argumentos de sobra, sempre na ponta da língua. A mais nova, quando não os tem, inventa. Ela é mestre em inventar. Inventa palavras, inventa situações e, quando pequena, inventou uma língua. Peguei outro dia uma fita gravada por ela aos quatro anos onde conversava em eneróide. Tentou nos ensinar essa língua estranha, mas acabamos desistindo. Quem sabe o mundo perdeu a linguagem universal? O do meio, talvez por ser o único homem, me derrota com o olhar. Faz aquela carinha de meigo e quem resiste? Eu não, ele me ganha sempre.

Ontem discutíamos sobre a bebida. Honestamente não consigo dizer que sou contra, mas também não posso dizer que sou a favor. Algumas pessoas dizem que não se deve falar algumas coisas aos filhos, mas quanto a isso, sou totalmente contra. Eles sabem como fui, o que fiz e o que não fiz. Quando afirmo que não devem fazer algo é com a convicção de quem experimentou e não gostou. Às vezes é o contrário - por gostar demais e saber que a experiência é perigosa.

Algumas experiências, apesar de perigosas, são inevitáveis. Amar demais por exemplo. Mas como alertar sobre o amor? Eles terão que passar, cada um deles, pelas próprias vivências. O máximo que poderei fazer é estar ao lado, segurando as pontas, os meios, os pedaços que conseguir alcançar para ajudá-los.

E lá vou eu, daqui a pouco, levar meu filho ao primeiro encontro com uma desconhecida, conhecida pela internet. Torcendo para que ela seja tudo aquilo que ele espera e me armando de argumentos para consolá-lo se não for.

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