TRÊ-LÊ-LÊ
Mariazinha Cremasco
Ontem à noite, enquanto meu marido brontolava, abstraí-me totalmente (estava na hora de aprender a desligar enquanto ele brontola) e viajei na maionese. Nem liguei para as lamúrias dele e fiquei pensando naquela história que você tinha me contado e que eu deixei para pensar depois. Aliás isso é muito comum comigo. Na hora em que a coisa está acontecendo, eu fico pensando na morte da bezerra. Mas isso é bobagem, minha filha, e eu sei que você não se encatza com essas coisas.
Bom, mas voltando à sua história, você estava falando do seu amorzinho, que tem olhinhos redondos, igual qüelo irmão meu. O danado não é bonito, não tem grandes atrativos físicos, mas faz um sucesso impressionante com o mulherio. Segundo a sua teoria, é por conta dos zoinhos sapiroca. Com aqueles olhinhos ele conquista todas. E fica muito impiçado quando a gente se pergunta o que é que ele tem demais para atrair tanta mulher.
Mas acontece que enquanto eu estava pensando, o hómi lá, no sofá, continuava a brontolar. Normal, aqui é assim, eu continuei completamente desligada. Desligada, pero no mucho. De repente olhei de soslaio pro homem e não é que ele estava tirando escrêcola do nariz enquanto se lamuriava? Aí foi demais. Não agüentei. Não há abstração no mundo que resista a isso. Perdi a paciência e comecei o deredungue de sempre - por que não ia dormir, o impiastro, se estava tão embucetado? Falei até fazer bico e então me impicei de vez. Com ele, com o mundo, com a televisão, com os gatos e com o resto da família.
Nem preciso dizer o quanto ele ficou puto, imagine, logo ele, um lorde, ser chamado à atenção. Enfim, ele foi dormir e eu fiquei ali, agora em paz para pensar de novo no seu caso com o hominho dos zóio sapiroca. Acho que você está certíssima, aproveita mesmo! Porque casamento, minha filha, eu não recomendo. Começa que a gente casa com a família inteira da íngua. Tem que agüentar aquela sobrinha burrinha que confunde asco com asno, que acredita que o plural de bacalhau é bacalhais e que não sabe falar americano. Tem que levar uma sogra e alguns cunhados de brinde e ainda cozinhar pra eles. Não há amor que resista, essa história de príncipe encantado é crença que já morreu, coisa do tempo dos afonsinhos.
Ou você acha que sinônimo de "príncipe encantado" é ter um homem no quarto, fermentando? Porque eles fermentam! E não há carinho que agüente quando você percebe que o dito cujo está armando para sair de campo. E eles armam pra tudo. Armam para dormir, armam para sair, armam para brigar. Então aproveita enquanto você tem amante, que até a palavra é bonita - a-m-a-n-t-e, aquela que ama. Igual a amásio, melhor que marido.
Eu, aqui, com aliança no dedo, nome e sobrenome, tenho que ficar me esquiatando pra entender o que ele quer de mim. Brigo, reclamo, brontolo também. No fim, é melhor brigar do que ser indiferente. Homem é tudo igual mesmo, são todos uns grossos. Não merecem nossas lágrimas nem nossos créditos. Nenhum deles. Muito menos os que têm zoinho sapiroca.
Não, não é verdade, apaga tudo. Homem é bom! Até meu Janjão, que ontem tirou escrêcola do nariz e me deixou absolutamente impiçada, até ele é bom, gostoso, cheiroso, amigo, camarada. Esqueça tudo o que eu disse. Se quiser casar, case, se quiser amantar, amante, mas, seja lá como for, aproveita pra ficar perto do seu amor. E agora vou parar de trê- lê-lê, que você precisa trabalhar e eu também.
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