FIRDEAM
Mairy Sarmanho
- Onde moram os anjos? - Perguntou Alice, olhando para a mãe com a eterna dúvida que lhe assombrava...
- Moram no céu. - Murmurou Débora, sem olhar para a filha, temendo pecar na mentira que tantas vezes havia escutado dos pais. E se não fosse verdade? E se tudo não passasse de uma realidade fria, sem contos de fadas ou fantasias? Como mentir
àquele pequeno ser tão fragilizado que talvez partisse rapidamente ao encontro...? E se não houvesse para onde ir? E se existisse apenas a fria ausência da morte?
Afastou os pensamentos ruins da cabeça e olhou pela janela entreaberta. Queria esquecer que estavam no hospital, que a menina agonizava por culpa dela, que a morte rondava feito monstro insensível tentando
arrancá-la de seus braços tão maternais.
Temia a noite. Em alguma delas, tinha certeza, Alice iria embora e a deixaria desamparada, doente, mergulhada no desespero e na saudade. Amava tanto aquela criança que daria a própria vida em troca de, apenas, um dia
a mais para a menina. Mas não há como trocar as coisas de Deus, suspirou, resignada.
- Onde fica Firdeam? - Indagou Alice, após alguns minutos de silêncio, usando para tanto as poucas forças que ainda lhe restavam.
Débora olhou para a filha, surpresa. De onde havia saído tal palavra? Teria a menina, em seu delírio, inventado? Não queria lhe perguntar pois sabia que cada gesto, palavra ou movimento podia significar um esforço gigantesco e roubariam, mais rápido, sua doce presença. Tratou de inventar uma resposta, a primeira que lhe veio à mente, num misto de ansiedade e desespero.
- Firdeam fica no céu: é um lugar encantado onde apenas os anjos mais puros podem ficar. Lá existem flores minúsculas e coloridas, animaizinhos lindos e carinhosos como coelhinhos, pombinhos, tartaruguinhas... A comida é a mais deliciosa que há: tem tudo o que você gosta: negrinho, pudim, gelatina, pãezinhos, leitinho... Lá nunca é noite: Deus sabe que as criancinhas têm medo do escuro e nunca deixa a noite cair. Lá, também, tem o melhor clima que existe; não é quente demais nem frio: sempre morninho e todos podem tomar banho de lagoa quando
quiserem. E não precisa pentear cabelos, nem escovar os dentes sequer usar roupas feias. E tem músicas bonitas, vovós para contar histórias de fadas e vovôs para levar ao parquinho. O céu sempre é azul e tem um quartinho sempre arrumado para quem quiser descansar. Não tem cheiro ruim nem remédios porque ninguém fica doente! - Afirmou Débora, acariciando os cabelos encaracolados de Alice.
A menina e esboçou um sorriso e moveu a mão no ar como se quisesse agarrar alguma coisa. O coração da mulher disparou. Alguém mais estava ali, alguém veio para buscá-la, arrancá-la de sua enfermidade, transportá-la para algum lugar inventado, roubá-la dos braços angustiados pelo sofrimento e culpa que sufocavam a mãe.
Mas a vida não é negociável e Débora teve que permitir que Alice partisse. Fechou os olhos e entregou seus sonhos e esperanças para Deus, suplicando que Firdeam fosse real e a filha estivesse, realmente, feliz e em paz...
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