MAR
DE AMOR
Luís Valise
O telegrama foi jogado sob a porta, e ficou lá, como a mensagem de um náufrago, boiando rente a praia. Quando o livro caiu de suas mãos o homem acordou assustado. O sol dera lugar a uma luz imprecisa; sombras reais e imaginárias enchiam a sala de silêncio. Apanhou o livro caído, e por um momento invejou seus personagens de papel, e suas vidas feitas de palavras cuidadosas. Adormecera um pouco pelo uísque, um pouco pela tristeza. Era a última noite do ano, e a primeira em que se sentia verdadeiramente só, em todos esses anos. Viu o copo vazio, a garrafa pela metade. Andou até a cozinha para pegar gelo. Não acendeu a luz. Sacudiu a forma até que saltassem algumas pedras. O barulho das pedras de gelo no copo vazio cintilou como a voz do seu amor, e ele sorriu para o som e para a lembrança. O salão estava cheio de gente animada, Feliz Ano Novo!, e ele tentava, ah!, que esforço fazia, gira, mundo, gira!, até conseguir sair sem ser pressentido e andar até a praia. Tirou os sapatos e as meias, enrolou as calças até o meio das canelas, e entrou na água. O céu estava cheio de muitas estrelas. A água marolava em vagas suaves, lambendo os pêlos das suas pernas. Chamou Iara. Chamou Iemanjá. Chamou Netuno em sua carruagem com rodas de espuma. Alguns peixinhos vieram mordiscar os dedos dos seus pés, e ele achou que esse fosse o sinal. Tirou do bolso o telegrama, ainda fechado. Contou sete ondas, e deitou no mar o que queria que fossem palavras de amor. Ficou um longo tempo a olhar as águas, até que o envelope sumisse, e que as palavras que ele queria que fossem de amor se desmanchassem no mar, assim poderia escutá-las para sempre, no murmúrio das ondas. Depois voltou ao salão, aos personagens, e às palavras que inventamos quando chega o ano novo. |