CRIANÇA INVENTA CADA UMA!
Lena Chagas

Às vezes, não parece ter criança em casa. Filho único, acostumado a brincar sozinho, fica horas e horas montando e desmontando Lego ou transformando algum eletrodoméstico estragado e sem conserto, em outra coisa qualquer. Está sempre inventando. 

Já inventou uma forma de abrir a lata de lixo com um simples toque num botão, na parede; um carro-robô que carrega suco sem derramar; pipoqueira, ventilador e leitora de cartões, todos à bateria; cofre ou caixa-forte (impossível descobrir como se abre aquilo!); banco eletrônico (com sinal sonoro na saída das cédulas (em miniatura)); um sistema interno de tv que liga quando a luz do ambiente é acesa; e tantas outras geringonças que, em seguida, voltam a ser sucata ou peças e motores do Lego. Assim como as cria, ele as destrói, mas com maior velocidade. Principalmente se surge uma nova idéia. 

Mas ele também inventa histórias. Algumas, mirabolantes, em que ele aparece como espectador, quase sempre encobre uma travessura. Só se inclui nela quando o desfecho lhe favorece. Se aparece quem o escute com interesse, então, a história cresce. E o entusiasmo dele também. 

Sua imaginação vem de longe. Gostava de inventar palavras desde bem pequeno. Se não inventava, ele emendava pedaço de uma em outra, até encontrar a que traduzisse o que queria dizer. Só não as guardava. Mas ainda lembro de uma ou duas: subsolático (nome do avião que ele inventou 'para ser movido com energia solar', como dizia); piferroz (prato preferido dele: purê, bife, feijão e arroz). Outras tantas já se perderam, caíram no esquecimento. Nem ele as lembra mais. 

Só uma ainda resiste. Começou em uma frase, depois em duas palavras e hoje é menos que uma 'palavra-valise', embora carregue o mesmo conteúdo.

Quando o ouvi dizendo pela primeira vez, ele devia ter 5 ou 6 anos e eu nem acreditei: "-Ho-je-eu-não-ga-nhei-ca-ri-nhô!" Bem assim, num só fôlego, mas pausadamente, e com ênfase na última sílaba. Explícita, sem sutilezas, e ainda com ritmo (sem pieguice e se vocês me permitem, eu achei o máximo! E irresistível, claro!)! Era assim, puxando na barra do meu vestido, ou encostando a cabecinha no meu joelho, ou sentando no meu colo, que ele pedia o carinho (a mais) de cada dia. 

Hoje, adolescendo rápido e falando mais rápido ainda, inventando coisas e modos enquanto muda de voz, sempre me alegra e surpreende, quando pede o carinho que a cada dia tem menos tempo ou paciência de receber: "-nhô!" 

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