PALAVRAS
INVERTEBRADAS
Alberto Carmo
Hemingway era alto, de barriga parabólica. Quando Bush é lembrado como 'Junior', remetendo-nos ao Indiana do papai, nem de longe imaginamos um Bodeguita, onde a gente possa brindar com daiquiri. Mesmo porque lagostas e camarões são tão triviais em Cuba, que Kertész teria adorado que fosse lá Auschwitz.
Se Nobel entrou no turbilhão da nostalgia, a relembrar touradas e porres homéricos, andando cambaleante a dobrar esquinas e sinos, como todo bom de copo, não seria demais esconder-se em vilarejos nostálgicos, até que um fundamento invisível ordenasse um ataque a Bagdá.
O velho, sentado em pose de cavalgadura sobre um oleoduto qualquer na Bolívia, talvez brindasse com Fuentes a conquista de um merlim-azul, ou exigisse a renúncia de Chaves por um milhão. Talvez conseguisse burlar a trama comunista, que lhe dobrou o dedão do pé na goela, talvez... foi um terror.
Se Fidel, na crise dos mísseis, tivesse ao alcance do rifle um béchamel, um reexame de Havana extinguiria charutos e cigarrilhas. Um câncer na garganta, e a essência do escritor calaria na Hungria. Relembrava o desconhecido a um povo distraído. Tragédias de sangue nos trilhos de Pilar, feito um rastro de espuma que leva até a praia dos porcos.
Vinhos brancos, tintos secos, pingando pelas calças dentro do vagão que os conduzia ao insuspeito paraíso do banho mortal. A pressão externa do guardanapo limpando as sobras do molho nos bigodes de porte magnífico. Por mais célebre, mais odioso e arrogante, mal sabia das conseqüências de um derrame. Chafarizes de petróleo rompendo as trevas como espumante jorrando-lhe pelo canto da boca, numa fúria epilética, refletindo o genocídio do escárnio.
Das glórias que sonhou nenhuma ainda lhe veio; tardam. O chiclete de hortelã, mascado aos murros, são leões de dias épicos em mar alto, saudados ao consumo generoso de pimentas e especialidades exóticas.
O melhor de tudo ainda estava por vir. À mesa, trinchava moluscos condimentados e vinhos encorpados. Envelhecido e encorpado, como nunca suportaria ver-se ao espelho, foi o que lhe bastou.
O estampido seco acordou a guarda nacional, estampou-se nos noticiários de além-mar. Morreu o ditador, morto o escritor, jubilou-se o premiado. Um milhão de dólares é pouco, muito menos do que precisava a frota no Golfo Pérsico.
O insano dinamitou-se a poucos passos da multidão. Voaram-lhe entranhas e olhos. A enfermeira tapa o sangue como pode. Na escola, o garoto joga beisebol, quando um disparo certeiro mata-lhe o peito. Tudo está consumado.
Bush bebe o daiquiri num gole, combina um encontro com a mulata farta. Fuentes lembra do amigo, ébrio a dar socos ao vento. Na Academia, um careca vangloria-se das lembranças que nunca teve. Foi correspondido.
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