Não
Augusto,
Dormiste cedo.
À meia noite não estaríamos em teu quarto,
Recolhemo-nos bem mais tarde,
à caça estamos para proteger te de nocivos insetos que serão nosso repasto.
Não Augusto,
Não queremos tua goela,
É repugnante para a maioria de nós este teu escaldante molho;
Não Augusto,
Não levante outra parede nem passe o ferrolho,
nossos caminhos são outros,
não somos sombras nem quiméricas visões, mas estes artifícios não impedirão
nossa entrada.
Sim Augusto,
Às vezes poderás nos ver em teu quarto, não como um olho,
mas se pensares bem
como um noturno anjo a velar teu mais profundo sono.
Se, eventualmente,
circundamos tua rede é apenas, novamente, para defender-te
do ataques de pequenos e mordazes seres, estes sim, ávidos por tua seiva.
Não Augusto,
Não nos ataque em histéricos movimentos de teu gládio,
contenha teu ânimo belicoso guerreiro em pânico, jamais nos acertarás,
ágeis somos, o tempo nos ensinou a escapar destes rompantes humanos.
Augusto,
Terno ventre nos gerou,
quente protetor de mãe zelosa, que ensina e educa,
Somos feios?
Tu ao nascer pois também não o foste?
Mãe carinhosa a nos alimentar com mesmo leite que te fez grande poeta.
Não Augusto,
não foi um feio parto, mas pura gênesis,
expressão maior da natureza
cósmica, indecifrável.
Não Augusto,
Não somos a consciência-alma humana,
os rios o são como canta Rosa:
"Na superfície são muito vivazes e claros, mas nas profundezas são tranqüilos
e escuros como o sofrimento dos homens. "
Entendemos teu medo,
pois se aves de belas plumas fossemos, por certo cantados em versos e
paixão seríamos.
Nossa presença talvez evoque teus mais profundos medos,
tuas mais escondidas frustrações, teus amores impossíveis,
a vida, Augusto, a vida.
Mas lembra-te Augusto,
a mais pura e alva pomba, se em teu quarto estivesse
(esta sim à meia-noite), não tardaria a despejar sobre ti descargas
titânicas de excrementos-penas-pragas, e mesmo assim tu a perdoarias.
Leprince de Baumont vos ensinou humanos,
a serem tolerantes com o diferente
e nele buscar sempre o Belo e nunca a Fera.
Não derrubamos torres nem governos, Augusto.
Vivemos harmoniosamente todos os setembros da eternidade
Veja-nos com outros olhos augusto poeta, com outros olhos.
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