Subitamente ele abre os olhos, perturbado, olha ao redor, mas só consegue ver algumas sombras na escuridão. O relógio marca 00:55h. Ele se põe de pé, direciona-se à uma sala silenciosa, onde as sombras clamam por suas memórias. Mais uma noite sem dormir, e ele continua sentindo-se solitário.

Na escuridão, caminha até a estante, onde uma garrafa lhe chama a atenção, talvez este vinho o ajude a dormir.

Com o copo completamente cheio, ele larga seu corpo no confortável divã, situado em um dos cantos da sala. Vagarosamente vai degustando a bebida, mas suas memórias não desaparecem, elas não o deixam dormir.

O copo agora está vazio, os ponteiros marcam 02:00h e ele continua acordado, com medo de encarar o dia. Liga o rádio, mas está tocando aquela mesma canção, e ela traz mais lembranças, sua mente é sugada, e sua alma entristece.

Essas lembranças são boas, na verdade; ele não consegue dar valor algum à elas, mas sabe que muitas pessoas nunca sequer tiveram a oportunidade de viver momentos como os que ele está lembrando. Mas para ele tudo isso é passado e não voltará mais.

Neste momento, ele pensa, como seria sua vida caso não possuísse essas lembranças, caso tudo o que lembra nunca tivesse acontecido? Ele gostaria de ter uma segunda chance, para poder fazer outra escolha, talvez a outra escolha fosse a correta, talvez ele lamentasse menos se tivesse a chance de escolher novamente.

Ele se sente oprimido pela vida que levou, não que esta tivesse sido ruim, pelo contrário. Nunca passou por graves necessidades, mas não foi o suficiente. Suas escolhas foram erradas, seus amigos foram injustos, seus amores foram ingratos, tudo que uma pessoa precisa para ser feliz lhe foi extraído e, agora, seus únicos sentimentos são rancor e raiva, ele sente ódio por si, os erros foram dele, sempre valorizou mais os outros, sentia-se na obrigação de agradar, de ajudar as pessoas que possuía ao seu lado. Ele foi um nobre rapaz, mas de nada adiantou. Agora, seu coração é frio, e a solidão é sua sina. 

Será que este é o seu destino?

Hoje, ele só trata as pessoas com indiferença, não faz questão de conhecer ninguém, e evita qualquer tipo de aproximação, principalmente com mulheres, elas são venenosas, traidoras, ingratas e imorais, mulher alguma merece confiança. Concorda com a frase que diz: "Quem gosta de homem são os gays, pois mulher gosta mesmo é de dinheiro".

Ele não dorme mais, seu cérebro o desproveu do sono, ele queria dormir, pois apenas dormindo se livraria dessas lembranças fatais, mas a noite é a única hora em que ele está completamente só, consigo mesmo. Pois durante o dia, suas atividades profissionais ocupam toda a sua mente racional.

Com o copo vazio, ele passa a beber o vinho direto do gargalo da garrafa. Neste momento, os ponteiros marcam 03:52h.

Certa vez um companheiro lhe disse que à noite, nas horas em que nos deitamos e iniciamos nossa jornada de sono, são os únicos momentos em que ficamos sozinhos, apenas com nossas mentes. Mas para ele esses momentos são intermináveis. Como um morcego, ele suga de sua mente todas as lembranças de um passado do qual não consegue se desprender, e só quando se vir livre deste passado conseguirá dormir novamente.

Mas a única aquisição de sua alma são essas lembranças, e visto que nunca as perderia, ele decide dormir.

O líquido vermelho que manchou o tapete central da sala não era vinho, e agora ele descansa profundamente. Sentado no confortável divã, ele conseguiu dormir, para não mais acordar.