CORAÇÃO MERETRIZ
Ly Sabas

Entro no quarto do hospital, coração aos trancos, primeiro por ter enfrentado um trânsito completamente desvairado e segundo, por não saber a gravidade real dos fatos. Você deitado, olheiras e semblante cansado pela dor dilacerante, dirige-me um sorriso amarelo. O entra e sai dos médicos e depois a troca de quarto para o passar da noite, são como calidoscópio aos meus nervos esgotados. Continua o entra e sai, agora de amigos, visivelmente preocupados em proporcionar-lhe o máximo de conforto. Sinto-me, sem atinar o por quê, como uma peça que não se encaixa. Como se não fosse necessária, como se só tivesse servido para levar o pijama e artigos de higiene. 

Saio para o corredor de onde dou boa noite, para cada um que entra no quarto, com o mesmo sorriso amarelo com que você me recebeu. O último enfermeiro da noite aplica-lhe um sedativo, desligando-o da dor; para alívio de meu coração descompassado.

Abeiro-me do leito alto. Pareces tão pequeno e frágil...fico vigiando o seu ressonar. Reparo nas sobrancelhas, que distendidas, denotam genuíno alívio. Afago, com gestos quase inexistentes, seus cabelos e mais desenho um beijo com os lábios, do que o deposito em sua testa. Meu amor fido, tantas vezes posto à prova, recusa-se a acreditar que não pode dividir com meu corpo a sua dor.

A poltrona em um canto, convida-me ao descanso. Sem conseguir relaxar, levanto-me a procura de uma revista semanal, que sei estar em sua pasta. Examino novamente as rugas em sua testa, o pingar lento do soro, antes de sentar. Folheio as páginas coloridas com as palavras saltando de uma à outra, sem ordem ou conexão. Do meio das folhas, caem outras brancas, com escritas azuis. E meu pobre coração amante, antes mesmo que com as mãos as traga do chão, já decodifica o sofrimento que como um morcego faminto, suga minhas energias.

Não choro porque aprendi a não desaguar. Não alço vôo porque meu coração meretriz que se deixa judiar, sabe que em cada soluço sufocado, em todas as mágoas camufladas, nas dores não sangradas, infiltra-se, sutilmente, o que ele não quer aprender... o não perdoar.

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