CUBA LIBRE
Luciana Priosta
Por que ficaria horas debruçada nessa mesa? A vista nem é das melhores. Olha aquela ali como vai se rebolando toda, a vadia... Depois diz que não tem sorte na vida, o vestido mais justo que orçamento de orfanato. Pobrezinhos dos orfãozinhos. Bem que a vadia podia ir fazer caridade lá no lar Betel. Irmãzinha dos pobres. Toma benzinho, eu dou de graça. Ia ser uma festa, feriado no orfanato. Meu cotovelo está dormindo. Acorda Maria Bonita, acorda e vai fazer café. Café? Nada, manda uma cuba! Que fauna, que fauna! Ai de mim! Ele ali fitando o nada, ar de torturado intelectual. Quebro-lhe o nariz! Se não tá a venda, para que ficar assim se exibindo na janela? Leilão? Opa! Eu dou cem, eu dou mil! Caninos pingando sangue, passeia os olhos pelo bar. Minha jugular é todinha sua. Não sou de regular não, pode chupar tudinho, pode usar até canudinho... uia! Rimou! Quantos pescocinhos, todos recendendo a perfume barato. Tomara que o sem-vergonha seja alérgico. Morra de espirrar. Fogueira, queimá-lo vivo, isso sim. Ah, não, tem que ser estaca de madeira no coração, noite de lua cheia, meia noite. Bala de prata? Deus do céu meu menino, não faz assim que eu derreto. A língua umedecendo os lábios azulados, ui... Queria ser muçulmana, daquelas cortadas ainda meninas para deixar de ser tão assanhada. Cala boca sua besta, vai que uma fada escuta e realiza seu desejo. O que ele está escrevendo? Torpedo para alguma vadia. Certeza. Vampiro gostoso, ah!, não precisava nem ser alfabetizado. Pegava, botava casa, comida e cama. Quando a cama voltar do conserto, é claro. Colocar espelho no teto? Acho que não, essa gente não se reflete no espelho mesmo e a minha cara já estou enjoada de ver todo dia. Fora a celulite, a estria, os pneus... Ei, sai daí sua vadia! Te parto a cara, perua! Este vampirinho é meu! Vou fazer como naqueles romances antigos. Daqueles que a gente é obrigado a engolir na escola, feito remédio amargo. Toma filhinha, vai ser bom para você. Quem nunca teve vontade de matar com requintes de crueldade a professora de português que atire a primeira pedra. Vou atirar uma prenda para ele. Melhor, saio gritando mutcho loca pelo bar: igualité, fraternité e bolo de frapê! Arranco a calcinha e atiro na cara do puto. Quero ver só! Ô homem, tira a camiseta não... ai. Acho que vou desfalecer tal qual sinhazinha na novela das seis. Vou pular pela janela. Me esborracho alegremente lá embaixo no meio-fio. Dá só uma olhada naquela ali. Pernão, bocão, cabelão. Modelo. Batata. Passa perto dele não querida, please! Também, deve ser frígida. Todas frígidas! Todas! Todas! Mais uma cuba? Socorro! Digo, sim, pode trazer. Mas capricha no tomate. Sou vidrada em tomate. Que? Não vai? Eu devia é estar tomando blood mary. Melhor não misturar, quero estar muito bem quando pegar este vampiro. Desce cuba. Safado, por que me acende assim? É o demo, diabo mesmo. Não se deve confiar em mortos-vivos já dizia minha mãe. Banho frio, é minha única saída. Ai, aquele chuveirinho... Chuveirinho, meu amor, faz assim, faz assado, ui! Compostura mulher. Com quem tem andado? Pensando nessas pornografias. Agora encostou no balcão, aposto que para morder a garçonete, o galinha. Eu não. Comigo não, violão. Não vou dando bola para qualquer um não. O que é isso companheiro? Aliás, o livro é bem melhor que o filme. Ai, pipi! Não chego viva até os trinta que dirá até o banheiro. Tem que dar, 1, 2, 3 upa! Ele me olhou, ele me olhou! Ai meu morceguinho, você olhou para mim. Acho que vou gritar. Mas que cara feia e essa? Se for para fazer essa cara pode olhar para outro lado, meu lindo. Não faz assim comigo. Parece até letra de pagode. Pronto, a vaca voltou. Sai daí que já estou de olho neste vampiro muito antes de você, querida. O que? Só homens? Então eu entro aqui mesmo, uuuopa! Obrigada. Quebro aquela vaca todinha. Oi amiga, pá! Tapa na orelha! Tudo bem, pá! Outra orelha! Que vontade de rir... Ra! Ri ri! Ru ru ru! Não seja histérica mulher, homens odeiam mulheres histéricas, dá nos nervos! Ele tá lá fora agora com seu arzinho de "não to nem ai para vocês" passando a mão em tudo que é biscate. Não minha senhora, eu estou ótima. Já disse, estou ó-t-i-m-a. Não quero vomitar. Só se for no seu pé para a senhora parar de torrar. Ele olhou para mim! Olhou! O poeta é um fingidor e finge tão completamente que finge que é dor a dor de dente. Ou quase isso. Tenho dentista essa semana não posso esquecer. Deus! É ele! Não é ele... É ele! Não é ele... Pára mulher, parece disco quebrado. Ah, querido, não vou conseguir chegar até aí. Corto os pulsos. Ai, não posso, depois o que vai sobrar de sangue para o meu doce vampiro? Uououuu! Tomo veneno. Isso. Me mato; formicida, fanta uva e vitamina C. Iiiiiiii, melhor não, depois ninguém me enterra no cemitério. Suicida não pode ser enterrado em campo santo sabia? E se eu me arrepender depois de encher a cara? Ah, aí é diferente. Vou direitinho para o céu, faço milagre e tudo. Meu cabrito tá doente, santinha. Eu vou lá e pumba! O cabrito sara. Meu santo é muito pequeno santinha. Pumba! 20 cm. Me arranja um marido santinha? Pumba! Antônio Bandeiras. Se bem que esse eu queria para mim. Será que santo pode casar? O que ele tá fazendo na mesa? Na minha mesa? Me alisto na legião estrangeira! Será que aceitam mulheres? Vampiro lindo, o que você está fazendo comigo? Isso é judiação. Não vou conseguir chegar até lá. Pronto, paralisei. Tetraplégica na flor da idade. Ai, Jesus, ele tá me chamando. Toda calma agora mulher. Já sei, sorrio. Arreganho os dentes. Arreganho tudo para você, benzinho! Não vê que eu não consigo sair do lugar sua zebra? Por que não vem me ajudar? Telepatia? Ai meu morceguinho, você tá vindo para cá? Ta vindo me salvar, olha que asas, que caninos, que mãos, que... hum! Doce. Chantily e danone, que festa vai dar! Aliás uma glicosezinha até que não faria mal agora. Cuba? Claro, amigão! - Cancela essa cuba Aderbal, vou levar essa doida para casa. - Mas meu morceguinho, só mais uma... - Schhhh! Fala baixo e vamos embora! E vê se não dá escândalo em casa para não acordar sua mãe e as crianças. |