ANJOS DE PRATA

De tanto Araújo alugar filmes naquela locadora, ele ficara amigo de João, o atendente. E, naquele dia, Araújo já havia escolhido seu filme e sido despachado pelo amigo; porém, demorou-se por ali, proseando com o outro sem o atrapalhar no serviço. Foi quando chegou, com um filme do Batman na mão, para ser atendida, uma moça: linda, corpo bem feito, olhos expressivos, pele muito alva, cabelos ruivos e lisos. Enquanto João dava atenção à moça, Araújo extasiava-se, de ficar de boca aberta, ante a beleza da fã do herói de negro.

Antes de se ir, já com o filme alugado, ela olhou para Araújo e comentou que ele tinha belíssimos dentes. João reparou na cara de bobo do amigo, que continuava de boca aberta.

- Escutaste ela falar contigo? - Quis saber João.

- Ela falou comigo?

O funcionário da locadora, abrindo um sorriso, percebeu o arrebatamento do amigo.

- Ela achou bonitos os teus dentes.

Araújo impressionou-se. Será que ela havia notado os dentes caninos grandes e salientes que ele tinha, justamente aquilo que mais lhe causava vergonha?

Não obstante, João foi logo tentando dissuadir e salvar o amigo desta súbita paixão, pois sabia ele das esquisitices daquela ali. Pôs-se a falar que conhecia a moça, vizinha sua. Disse que ela era muito extravagante: que só usava preto, sua cor predileta; que só saia à noite e que nunca pegava sol, razão da sua cor de pele; que se dizia forte por ter mamado muito, sugara sua mãe até os cinco anos; que tinha como esporte o body jump; que adorava beber Campari com tira-gosto de galinha à cabidela, desde que não fosse temperada com alho.

Contudo, João, praticante de surfe, que gostava de camisas floridas, que só comia alimentos naturais e não bebia uma gota de álcool, desconsiderou os conselhos do amigo. Pelo contrário, não descansou enquanto não descobriu com o parceiro o endereço e telefone de Vládia, a bela moça.

E João só encontrou novamente Araújo três meses depois, quando ele apareceu na locadora para alugar um filme do Drácula. O atendente não se admirou em ver o amigo vestido de preto, com pele branca de quem há muito não vai à praia, falando bem da exótica combinação do vermelho sangue do Campari com a galinha à cabidela. Disse que tinha trocado o surfe pelo body jump, pois adorava a sensação de estar voando; que gostava de ficar de cabeça para baixo e que, se pudesse, dormiria daquele jeito: de ponta a cabeça. Ainda pediu a João que olvidasse o sobrenome Araújo, e o distinguisse agora pelo primeiro nome. Saiu com o Coppola sob o braço agradecendo a ajuda que lhe dera com Vládia.

João, após a saída do novo namorado de sua vizinha, foi consultar o fichário de clientes e descobriu que o primeiro nome dele era Vladimir. Teve certeza que o que o amigo sentia por Vládia era um amor cego.