NUMERÓLOGO

Fernando Zocca

Quando viemos da nossa localidade original, onde invariavelmente passávamos fome, e nos estabelecemos aqui na cidade supimpa, uma das coisas que nos chamaram a atenção foi a existência de um sujeito, meio amalucado, que se dizia numerólogo.

De fato, pelos anúncios pequenos do jornal circulante, nos cientificamos do seu endereço e para nos assegurarmos que faríamos tudo certo, obtendo sucesso nessa vida nova, fomos consultá-lo.

Subimos penosamente aquela escada pétrea e achando a sala onde o ocultista exercia o seu ofício, sentamo-nos na saleta de espera. Um cheirinho esquisito indicava que alguém queimava incenso. Busquei com meus olhos hipermetropes as frestas donde provavelmente saíam as fumaças. Nada ví que pudesse nos tranqüilizar. Afinal, concluí, o sujeito estava oculto. E isso, fazia parte do ocultismo. 

A impaciência manifestava-se já em minha companheira, que esfregava tensa, as suas mãos. No seu olhar uma certa dúvida e incerteza. Pedí-lhe calma e que confiasse. 

Depois de alguns minutos que aproveitei para perscrutar o ambiente, surgiu-nos aquela figura alta, alva e rósea vestida de branco. Caminhava com os joelhos juntos. Saíra pela porta que continha os três olhos mágicos. Aproximou-se de nós e timidamente estendeu-nos a mão. Seu olhar desconfiado e receoso indicava alguém de pouco trato com pessoas desconhecidas. 

Com a voz baixa e embargada perguntou quem nos enviara. Dissemos que lêramos os seus anúncios e que desejávamos fazer uma consulta. Ele assentiu e com a mão direita indicou-nos o local para onde deveríamos nos dirigir. 

O misterioso abriu a porta e nós entramos. O ambiente era decorado com veludo vermelho. Tudo muito abafado. A mesa redonda e feita com mogno continha maços de baralho inertes sobre a toalha branca rendada. Um computador desativado dormia num canto encostado na parede. Ao sentar-mos ele sacou, dum lugar que não vi, uma calculadora. 

Fez uma preleção prévia e perguntou-nos as nossas datas de nascimento, casamento, nascimento dos filhos, morte dos parentes e outras firulas mais. Anotava tudo meticulosamente numas fichas. Quando percebeu o meu aborrecimento por fornecer mais informações do que viera buscar, tentou equilibrar a situação falando atropeladamente sobre as cartas do tarô que, dispunha agitado, em formas simétricas.

Depois de ouvirmos, nos exatos vinte e três minutos que se seguiram , aquelas patacoadas, pagamos a consulta e fomos embora. Naquele momento eu não pude, e jamais poderia imaginar que todos aqueles números seriam morcegados, algum dia por terceiros interessados, nos contatos profissionais comigo e familiares, como estímulos indutores aversivos, capazes de influenciar sensivelmente nossas decisões.

Por isso, meu amigo, tenha muito cuidado com os seus dados íntimos. Os estranhos, iguais aos morcegos hematófagos, que vivem com o sangue alheio, podem com feedbacks patifes, constranger seus miolos. Os malvados procurarão tange-lo igual as alimárias, buscando sempre cercear sua liberdade.

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