BRUCIVAINE
Francisco Pascoal Pinto
de Magalhães
Versão do Suicida Gothan é uma cidade sem lei. As estatísticas da violência estão aí para comprovar os fatos. Assaltos, seqüestros-relâmpago, pedofilia, estupros... Os cidadãos de bem estão amedrontados, o comissário Gordon foi afastado do cargo pela corregedoria... Tentam atar nossas mãos. Todo homem tem um preço, mas muitos não valem o que comem. O grande culpado disso tudo é um só: o inimigo público número 1, o psicopata conhecido por Coringa. Ele está por trás dos tráficos de drogas e de influência; da exploração de menores e do contrabando de produtos piratas. Daqui, do alto desse edifício, observo-o atentamente. Parece um inofensivo palhaço aos olhos dos inocentes que se divertem com suas performances sem saber do perigo que correm. Quando estiverem em número suficiente, o Coringa atirará os limões - que não são limões mas granadas de mão camufladas - contra eles. E o estrago será enorme. Vidas se perderão. E o maldito gargalhará de mais uma piada mortal. Isso acontecerá a menos que eu o impeça. Só eu poderei impedir a tragédia que se prenuncia. Ei! Eu conheço aquele facho de luz. É o sinal do Morcego. Sim, como poderia não reconhecê-lo? Gordon terá voltado? Não importa. O que importa é que pedem a minha ajuda. Precisam de mim. Vou mostrar-lhes que ainda posso ser útil. Que não estou acabado como eles pensam. Nem vou perder tempo esperando pelo menino prodígio Robin ou por reforços. Posso cuidar do canalha eu mesmo. Ou não me chamo Batman. Fui!!! |
Versão do Palhaço Sou palhaço. Mas um palhaço sem circo e sem picadeiro. Aliás, tenho picadeiro sim. Ele fica aqui mesmo, no viaduto do Chá, no centro de São Paulo. É aqui que eu divirto com minhas estripulias e meu repertório de velhas piadas o passante apressado, o camelô esforçado, a dona de casa com suas sacolas de compras, o guarda de trânsito, o gari. Mas o que gosto mesmo é de provocar um sorriso no rosto de uma criança. Quando isso acontece, ganho o dia. Volto para casa feliz. Bom, este é meu ganha-pão. Dá para ir levando. Os tempos andam difíceis e a gente precisa se virar para garantir o leite das crianças. O que vi? O que todo mundo viu. Eu tava aqui, nesse mesmo local, fazendo malabarismos com limões. Sou bom nisso, sabe? É um dos meus melhores números. A tarde tinha sido quente e a minha maquilagem estava meio derretida. Foi quando as pessoas que me assistiam começaram a olhar para cima, para o topo desse prédio aí. Tinha um maluco de capa preta de pé no parapeito do último andar. A multidão de curiosos foi se avolumando e eu parei o meu show e fui olhar também. O estranho é que... vocês podem até achar que é imaginação minha por causa da distância ou porque já estivesse escurecendo, mas eu tenho certeza de que aquele sujeito estava me encarando. Olho no olho. Não sei por que, já que nunca o tinha visto antes, ele me dirigia um olhar de profundo rancor. Eu pude sentir isso, saca? Não sei como, mas senti. Minutos antes que os bombeiros chegassem, alguém ligou os holofotes e ele saltou. Quase em cima de mim. Será que o infeliz achava que poderia voar com aquela capa? Será que estava desempregado ou fora abandonado pela mulher? Os homens vieram e abriram inquérito. O rabecão recolheu a massa disforme e ensangüentada e levou embora. Fui a contragosto arrolado como testemunha. Acreditarão na palavra de um palhaço? Acho que foi só por mera formalidade. |
Diálogo de Camelôs - Olha só o que diz o Diário Popular: "Louco fugido do Juqueri se atira do Edifício Banespa" - Louco? Pensei que fosse um desempregado. - Vai ver ficou louco por que não arrumava emprego, não tinha como sustentar mulher e filhos, a mãe doente... - Coitado. Acontece cada uma nessa cidade... - Chamava-se Brucivaine Barbosa. - Bruci o que??? - Brucivaine. É o nome do cara que pulou do prédio. - Com um nome desse, mano, eu também me matava. Antes processava os pais. - Vá lá, Edivânio. Tem nome muito pior. - Duvido Clarisney. Brucivaine é muito, muito... - É muito pra cabeça, né? Aqui diz também que os pais do Brucivaine se culpam amargamente de terem dado esse nome ao rapaz: foi uma homenagem ao Batman, das revistas em quadrinhos. Pois não é que um dia o cara acordou meio estranho, certo de que era o homem morcego, e começou a agir como se fosse o próprio? Acabou sendo internado. Mas como ninguém consegue deter um super-herói por muito tempo... - Foi daquele prédio ali, não foi? - Sim. Maçaroca, o palhaço de rua, viu tudo. Quase foi atingido pelo corpo do suicida. - Dizem por aí que a curiosidade pode o gato, que o que vem de baixo não nos atinge, mas não fala nada do que pode vir de cima. - Nem fala. Outro dia, lá na praça da República, teve o safado de um pombo que... Deixa prá lá! - Imagino. |