MAMÍFEROS VOADORES

Alice Sousa

Nasci e me criei no sertão do Ceará e sempre convivi com os morcegos.

Num dos quartos da casa, meu pai estocava algodão. As portas estavam sempre fechadas, para que as galinhas não entrassem.

Lá era também moradia dos pequenos mamíferos, por estar sempre escuro, fechado, e com certeza silencioso. Lugar perfeito para uma soneca.

Claro que nem sempre era sossegado, quando eu conseguia companhia corajosa para entrar lá comigo, não deixava ninguém dormir.

Muitas vezes via os animais com filetes de sangue seco no pescoço, e meu pai dizia que eram morcegos que chupavam durante a noite.

Comecei a temer os bichos.

Já pensou se eles me chupam? Pensava, certamente iria morrer.

Então quando dava pra matar um, matava mesmo, mas era raro, eles ficavam apavorados e voavam atarantados pelo quarto e eu mais apavorada ainda, pegava a companhia e voávamos também para fora.

Às vezes, ao entardecer, meu irmão mais velho, pegava uma vara de marmeleiro e ficava girando-a no ar, emitindo um sonoro ZUUMMM... ZUUMMM e não é que eles batiam na vara e caiam desmaiados?  Apenas uma vez um morreu, lembro que ao ver o narizinho dele sangrando, senti pena.

Como são estranhos, parecem ratos, tem cara de cachorrinho, e uma trombinha que lembra um porco. Esses que eu via quando criança, os cearenses, eram assim mesmo.

Quando tinha um morto nas mãos, era curiosidade só.

As garras grudentas, unhas fininhas, pele lisa, as fêmeas tinha peitinhos minúsculos. Sabe que até hoje não sei como os filhotes mamam? Também não lembro de ter visto algum. lembro sim da maldade que eu fazia com  o morto. Pegava uma tábua, pregos e crucificava-o com as asas abertas.

Ora sentia pena, ora sentia medo, mas nada que me fizesse parar.

Arrancava, pregava, até que minha mãe descobria a brincadeira.

Ela dizia para não brincar com morcego, pois transmitia doenças.

Engraçado é que não lembro dela me mandando lavar as mãos depois da atrocidade.

Que lembranças me trouxeram esse tema, como é bom saber que ainda trago pedaços de minha infância, que ficaram guardadas junto com um bichinho de carinha duvidosa.

fale com a autora