COM A FACA NOS DENTES
Reinaldo de Morais Filho

Escrever sem inspiração é como contar até dez, fazer cálculos, construir um prédio. As palavras são como um cimento, o texto como uma construção: há uma diferença entre a engenharia perfeita e os contornos mágicos de uma arquitetura impossível.

O verdadeiro poeta ama os amores dos outros, sente as dores alheias, assusta-se com as esquinas sombrias de seus contos; um bom escritor pode descrever, apenas.

Entretanto, entre os amores-dores-medo, o mágico arquiteto, o inspirado poeta desperdiça instantes de contemplação, vê solidão quando há sossego, acelera os batimentos, adoece, enlouquece.

E espalha em sua obra que a vida é curta.

Enquanto que o escritor-engenheiro cuida meticulosamente de seu trabalho, acaricia os dedinhos da página e as vigas que sustentarão o edifício, podando qualquer excesso, eliminando as curvas arriscadas com vista para o chão.

E descreve um mundo sem tempo.

Escrever nem sempre é juntar letras. Implica em tomar partido, em fazer escolhas, em criar inimizades. A inspiração exige uma vida desregrada; o esmero exige metodologia. Não há como separar a rotina do homem dos seus versos: a tinta escorre das veias, pinga dos dedos, reflete a alma.

E os dias duram segundos.

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