FACA DE DOIS
(LE)GUMES
Paulo Henrique
Pampolin
Pareciam quatro, depois percebi um outro rebento menor, que vinha mais atrás, correndo em meio a folhas de alface esmagadas, restos de tomate, cenouras partidas ao meio.
Era um garimpo. Procuravam em meio aos restos de verduras e legumes espalhados pelo chão, algo muito mais valioso que ouro, procuravam comida.
Entre tanto lixo orgânico, deveria haver alguma fruta, legume ou verdura em condições de comer. Quando encontravam, era ouro puro, brilhavam os olhos, breve sorriso, logo colocavam na sacola que o mais velho carregava pendurada. Recomeçava todo o processo. Chutavam uns pedaços de melancia pelo caminho, pisavam sobre folhas velhas de almeirão e olha um rabanete ali. Que sorte, ninguém viu antes.
Freqüentam diariamente o Ceagesp. Ali é seu trabalho. Garimpam alimentos para a própria sobrevivência. Termina o trabalho do batalhão de operários durante a venda aos atacadistas, entra outro batalhão, o de famintos garimpeiros de alimento.
Vindo de todas as partes, passam boa parte do dia ali, buscando o que irão comer no jantar e almoço do dia seguinte.
Me aproximei do mais velho, que me informou serem os cinco irmãos. Ele com nove anos e o mais novo com quatro.
Vinham de Pirituba, tomavam o trem, passavam sob a catraca e partiam para o "trabalho" diário.
Perguntados onde estavam seus pais, disseram que o pai havia morrido em uma chacina no começo do ano, mas a mãe, estava lá, na ala dos cereais.
Pedi que me levassem até ela.
Na área onde era comercializado cereais, um falante vendedor, metia a mão em um enorme saco aberto de feijão, pegava um punhado para mostrar ao cliente, no entanto, muitos grãos caiam no chão. Ali embaixo, de quatro, como um vira-lata, nos pés do vendedor, uma mulher aparentando 40 anos, depois soube que tinha 27, desesperadamente, pegava grão por grão que caia no chão e os colocava dentro de um saquinho plástico.
Chamei-a para conversar, tratou logo de dizer que só pegava os que caiam no chão, como quem fosse tomar uma bronca. Tranqüilizei-a.
Os pequeninos logo a informaram que já tinham comida o suficiente para os seis até o dia seguinte. Era a senha de que podiam ir embora.
Questionei se as crianças estudavam, disse que ninguém na família sabia ler ou escrever, que vivia um dilema, ou as crianças iam para escola ou buscavam comida, não havia tempo para conciliar as duas coisas. O estômago falava mais alto.
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