HONRA
Nato Borges

Chorou como só as mulheres sabem chorar, porque sentia o que só uma mulher pode sentir. Misturava em cada gota de lágrima doses variadas de vergonha, medo, frustração e, pior que tudo, incapacidade de reação. Não podia fazer nada, não pôde fazer nada.

Ainda lhe doíam as entranhas pelo que havia feito. A alma lhe doeria pelo resto da vida por tudo que não poderia fazer. Na boca as lágrimas amargavam a saliva, ainda pastosa pela anestesia mal dada, que mal funcionara e que mal passava. Lhe doíam todas as dores do mundo.

Ainda não abrira os olhos. A visão embotada tentava descobrir se estava ainda no quarto em que se lembrava ter dormido. Preferia acordar ali, onde sabia de cabeça os cabides onde havia deixado as roupas, o armário onde dormiam os sapatos e as paredes onde suas ilusões ficariam impressas pelo resto da existência delas.

Fixou os olhos e decidiu enxugar lágrimas que já não caiam mais. Conseguiu enxergar o relógio. Fazia apenas três horas que havia entrado naquele quarto. Tinha dezessete anos quando pisou ali. Agora não tinha mais certeza de seu tempo. Sentia-se como se não sentisse nada além da dor. Chorar já não adiantava mais. Nada adiantava mais.

Com algum esforço levantou-se. Viu que podia ficar em pé e, apoiando-se, andar pelo quarto. Era questão de tempo. Minutos e estaria fora dali. Pegou suas roupas e começou a vestir-se. Sentiu-as mais largas, tão mais largas quanto profundo o abismo em que estava mergulhada. Pela primeira vez notou o chão, sujo, engordurado. Achou que se confundia com ele e só pensou em sair dali.

A tal auxiliar que a havia ajudado quando chegou tinha desaparecido. Não precisavam mais uma da outra. Não queria mais vê-la também. Uma pontada a fez dobrar-se enquanto colocava as meias. Não deveria ter se abaixado. Não deveria ter entrado ali. Não deveria ter engravidado. Não deveria ter trepado. Achava que não deveria sequer ter nascido.

Encontrou sua bolsa sob o colchão, onde a tinha colocado a conselho da auxiliar desaparecida. Não conferiu o que havia dentro. Agora estava vazia. Ela estava vazia. Nem se deu ao trabalho de amarrar os tênis. Saiu andando com decisão atípica em meninas da sua idade. Não era mais uma menina. Não era mais gente.

Levou alguns minutos para atravessar o corredor que separava o quarto da sala de espera. Não olhou para trás, nem para frente. Com os olhos no chão parecia procurar, mas sabia que chafurdava. Começou a chorar de novo. Já não sentia as lágrimas e nem se importava com isso. Entrou trôpega na sala e com dificuldade definiu a silhueta do pai. Ele esteve ali o tempo todo. Com um sorriso, ele a recebeu com um abraço.

- Fizemos o certo filhinha, fizemos o certo.

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