O DIA MAIS HONESTO DO
RESTO DE SUA VIDA
Fábio Luiz

A Honestidade resolveu durante uma aposta descer a Terra pra tentar se firmar novamente. Melhor dizendo despencou. Ao acaso sem escolher destino de pouso ou mesmo escala. Caiu no Brasil (esse). Mais precisamente em São Paulo. Região do Largo do São Bento. Justamente em cima do Tavares. Conhecido “comerciante” da região. Fornecia de tudo. Precisou? Era só chamar o “Tatá-ta-mão”. De cd lançamento “pirata” a computador de última geração. Sem emprego na área de eletrônica após o curso técnico, trabalhava para um “fornecedor” de fama maior ainda. E das boas. Nem conhecia seu próprio patrão. Acabou por se acostumar àquilo tudo.

Era um tremendo de um safado, pra dizer a verdade. Mas foi o escolhido. A Honestidade sorriu e incorporou-se ao dito.

A cabeça doeu por um momento e sentia que algo estranho ocorria. Respirou fundo e achava melhor tomar uma dose do seu remédio, doze anos, mais tarde. Mas ali estava um cliente:

- Boa tarde! Estou precisando de um notebook! O senhor tem um que seja bom mesmo? Com garantia?

- Tenho sim! Mas não aqui! Aqui só tenho mercadoria fria! - Quase enfartou. Riu para o cliente que nada entendia, mas que achou ser uma brincadeira. Respirou fundo e lançou:

- A garantia eu dou. Daqui até o computador chegar na sua mão. O senhor lá acha que vou garantir um produto que por dentro usa peça de terceira? – Piscava e não acreditava no que dizia. O cliente ria, divertindo-se.

- O senhor é engraçado. Bom, também vou precisar de uns “cdzinhos”. Ta tudo “rodando” bem, né?

- Olha... Rodar até roda. Porque é disco. Mas não toca nem ruído. A capa é do Daniel, mas por baixo deve ter Eliana.

- Olha, estou querendo comprar. O senhor não está exagerando? Eu comprei há duas semanas esse relógio e você garantiu ser a prova d´água!

- Ele é a prova de água de lágrima. E só. E se for de choro é capaz de derreter. – Suava já em pânico. Estava dizendo a verdade a um cliente. Um crime.

O cliente, agora irritado, saiu da loja. Tentou pensar sobre o que acontecera. Tentou, mas não conseguiu, pois já fechava tudo para se entregar à polícia. Foi direto à delegacia.

Dr. Azevedo não conseguiu ouvir toda a história porque ria de se contorcer. Mandou Tavares cuidar da sua vida. Aproveitou para mandar alguém apreender toda a mercadoria para avaliação posterior na sua casa.

Decidiu ir ao jornal e contar tudo que sabia sobre o sistema. Levou provas dos produtos que ofertava. Acabou recebendo ofertas para os produtos.

Agora sabia: era um honesto desvairado. Pagou o táxi com dinheiro mesmo e não com falsificado.

Ateou fogo nas mercadorias e nem se queixou.

Foi pra casa e encontrou a mulher nos braços do amante de já dois anos de relacionamento. Foi sincero. Já sabia e queria o divórcio ou a morte. Chorou lágrimas de verdade. A honestidade revelada doía muito. Não tanto quanto doeu a pancada que levou do tal amante que era quem comandava todo o contrabando e já queria dar fim ao nosso herói. Mas precisava de um “laranja”

Nesse momento invade a casa o tal cliente. Na verdade, um policial federal que procurava provas do envolvimento do amante no crime de pirataria. Há meses sondava o estabelecimento seguindo o rastro até aquele dia.

Presos, os amantes revelaram tudo. Tavares, sinceramente disse tudo que sabia e não sabia. Foi liberado. 

A honestidade feliz retirou-se de seu corpo e subiu às nuvens.

Tavares era entrevistado por todo mundo. Ficou famoso. O honesto. Lançou livro: “O sucesso é ser honesto”. Até cd com frases de efeito. Kit completo. Rejeitou o convite para trabalhar na manutenção da área de informática feito pelo federal. Queria mais agora.

Lá de cima ela viu Tavares ser copiado. Seu cd era vendido a R$ 2,00 (pirata). Na verdade o preço era um centavo a menos, mas ninguém exigia troco. Não recebeu direitos autorais e acabou voltando a mentir, envolvendo-se com negócios de venda pela Internet. Foi preso por falsidade ideológica.

A Honestidade foi consolada por suas amigas, Justiça, Sabedoria e Consciência.

- Da próxima vez, leve a gente com você! 

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