LIÇÃO
DEMOCRÁTICA
Doca Ramos Mello
Hiii, Zé-Povinho está a mil...
Época de campanha é sempre assim, o Zé se delicia vendo a classe política se atarracar na luta pela sua preferência, importante ele, heim... Logo ele, pobrezinho, um sujeito meio tosco, mau-cheiroso, de poucas letras e muitas cáries, um jardim de vermes na barriga vazia, sem saúde, sem emprego, dado a tomar umas liberdades que ofendem a nação, como falecer nas filas dos hospitais (o Zé é anarquista).
O Zé se impressiona muito com as boas intenções dos políticos, mas o que mais o deixa intrigado é ver tanta gente assim boníssima, que podia muito bem viver sossegada e não esquentar a cabeça com os problemas dele, Zé, afinal são coisas antigas, tudo praticamente sem conserto, ele bem o sabe, e os pobres homens continuam se esfolando para lutar por ele, para melhorar a vida dele, ô gente santa...
Primeiro foram os tempos de outrora, um desfile de grande abnegação e sacrifício, a portuguesada fazendo a gentileza de se instalar numa terrinha rude como esta e ainda arcando com o peso de tirar ouro daqui e levar para Portugal, coitados. Depois, uma sucessão de gente boa a se matar para dar jeito e rumo nesta casa malemolente, o Zé nunca reagindo com agradecimento, só interessado mesmo em se esbaldar no carnaval e na safadeza, história longa e triste.
Um dia, houve uma confusão da gota, Zé abestalhou quando tiraram o sacrificado da presidência, baixaram o pau em todo mundo e... Tome ditadura. Que também foi mais um purgatório para os milicos que outra coisa, pobrezinhos, pessoal bom demais que lutou pelo Zé e pela terra do Zé por uns 20 anos, sem reconhecimento nenhum... Uns amigos do Zé desapareceram na ditadura porque gostavam muito de se reunir, os militares acharam que era falta de patriotismo deles, claro, os milicos dando o duro e eles fofocando, e então alguns foram mandados a longos passeios no estrangeiro, outros gostaram tanto que não voltaram mais nem mandaram cartas.
A verdade é que, graças a Deus, parece que Zé-Povinho resolveu se mexer e pôr um fim na vida de bacanais e patifarias, voltando sua atenção para o necessário aprendizado democrático. Ele acha essa democracia que obriga todo mundo a votar uma lindeza, mas de que mais gosta mesmo são as promessas (vou resolver o problema da água; um médico para cada família; dinheiro no bolso, filhos na escola, dentes na boca; vou gerar dez milhões de empregos; quem quer amendoim, vota em mim; terra, muita terra; previdência social e socialista,já; casa, palacete, viagem de avião, vote Geraldão; fura-fila, de norte a sul; comida e cd, som e tv; vou mudar a letra do hino nacional; imposto zero...).
Agora, o Zé segue a cartilha democrática ao pé da letra, por isso também ele promete, promete, promete... Promete a deus e ao diabo, mostrando aos políticos que quem com ferro fere, com ferro saberá a quantas andam os paus da canoa. Aí...
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