NOMINA
Umberto Krenak
Lembro-me bem, era noitinha. Resolvida, fui até o armário de papai e arrisquei um gole. "Um gole, de que vale um gole?!" Tomei outro, mais outro e ainda outro. Depois devolvi a garrafa pro lugar, procurando manter tudo como estava.
Não levou dez minutos para que sentisse o fogo me queimando as entranhas, a cabeça leve, o corpo bambo. "Maldito Zeca!" Depois de cinco anos, casamento marcado, fugir com a Mariinha, a sonsa da Mariinha, ainda nem bem saída das fraldas.
"Talvez a vingança seja mesmo o melhor afrodisíaco."
Todos deitados na casa grande, saí e marchei pro barracão dos fundos.
Queria que fosse com ele, o forasteiro; o homem que pediu pousada pro pernoite e que me comeu com os olhos quando me saudou naquele fim de tarde.
Não era bonito, mas viril - alto e espadaúdo, a cabeleira negra caindo sobre os ombros, sobrancelhas espessas emoldurando dois olhos de profunda escuridão.
Abri a porta bem devagar: ele dormia. Toquei de leve os lábios vermelhos que assomavam da floresta de pêlos do seu rosto. Ele me olhou encabulado. Deitei bem junto e me enrosquei no seu corpo, como uma cobra. Senti o volume entre suas coxas quando nossos corpos se colaram.
- Menina, o que é isso, menina?
Eu não respondi. Queria aquele homem!
Ofereci-lhe minha boca - ele hesitou. Por fim beijou-me com fúria e me abraçou com força. E nos amamos ali, sem tirar a roupa, cuidando não fazer barulho.
Quando tudo acabou, ainda suado, ele me fitou os olhos e perguntou o meu nome.
- Eufêmia - respondi.
Sem mais, seus lábios se abriram num sorriso. "Eufêmia?" De repente, desatou a gargalhar. "Eufêmia?" - repetia, e o corpo sacudia sobre o catre, fazendo ranger as tiras de couro, lágrimas lhe escorrendo pelo rosto. Quando eu pensava que iria parar, ele recomeçava, pronunciando o meu nome e mais uma vez gargalhando.
No começo até achei graça; depois foi virando palhaçada. Então saí pisando duro e não olhei pra trás. Não quis vê-lo de novo. Nem mesmo quando partiu com sua tropa de manhã bem cedo.
Isso foi há 50 anos, mas ainda conservo vívidas as lembranças dessa noite, a primeira e última de amor carnal que tive.
Aqui onde estou o tempo passa devagar. Foi entre estas paredes que encontrei o meu verdadeiro caminho.
Hoje, quando me perguntam o nome eu falo firme e orgulhosa: - Eufêmia, Irmã Eufêmia, e completo: - nascida a 16 de setembro, o dia da Santa.
Afinal, o nome a gente não escolhe, apenas segue.
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