TOQUE
FINAL
Kel Santos
O olhar compenetrado do desenhista no meu corpo me transformou. Ele parecia querer dizer algo aos meus ouvidos ou apertar-me na base da coluna. Eu estava calada como se ele tivesse me tocado, mordido-me ou sentido meu cheiro; mas não, ele me olhava de longe tentando concentrar-se nos traços que tinha que fazer.
A cada movimento de seu carvão sentia como se fosse sua mão contornando meu corpo desnudo, mas ainda assim, tentava não demonstrar minha excitação.
Durante todo o tempo em que estava ali posando, evitava contorcer meu corpo ou me fixar na boca do meu amigo artista. E quanto mais eu tentava me conter, mais ele queria arrancar toda a sensualidade contida em meu interior, indo de norte ao sul no meu corpo que se abria mostrando meus tesouros.
Ele me provocava com seus traços como se fossem as pontas dos seus dedos passando pelos meus braços ou seus beijos no meu queixo descendo vagarosamente pelo meu pescoço.
Era assim que ele via arte em mim. Olhando-me com ar de desejoso de levantar meus cabelos e beijar minha nuca, a minha boca.
De repente, o silêncio foi quebrado e começamos a trocar confidências não menos eróticas que nossos pensamentos e, agora, ia narrando o que colocava na sua tela como se ilustrasse uma noite de amor ardente.
Num instante seguinte, parou. Olhou-me sério como se me notasse somente agora.
- Algo errado em minha postura? - Indaguei, receosa de sua resposta.
- Não. Mas há algo faltando. – Respondeu quase que murmurando. – Ainda não adicionei seus sabores ao retrato.
Atracados agora. Engalfinhados como numa luta sem perdedores brindamos aos amantes de outrora.
De tempos em tempos afastava-se e mirando meus detalhes e meus segredos, corria à tela onde rapidamente deixava um pigmento de nosso calor.
Isso levou um tempo que não medi, apenas senti.
Antes do toque final na tela que eu não ainda não havia visto, entregamo-nos ao acabamento. Não do retrato, mas do nosso ato. De nossos corpos tão quentes subia o hálito dos amantes. E o ar se tornava mais e mais denso.
Pela manhã, acordada pelo canto do dia, levantei-me ainda cansada. Meu amigo, o artista, desaparecera. O retrato sob o lençol, da luz inquiridora se protegia, sendo guardado por uma flor pousada delicadamente.
Ao tocar o lençol, revelei a pintura que, ao meu espanto, trazia em luz e sombra não apenas minha face, mas nosso romance noturno num instante retratado.
Sentei-me, mesmo que caí. Além de tudo, todas as cores da tela, expeliam o cheiro de nossos corpos juntos na noite. Cheiro que me dominava os sentidos novamente como um mago em seu feitiço aromático, afrodisíaco.
Sorria ao ver-me, naquela manhã de sol, entregando meu corpo ao prazer solitário, contemplando o retrato de meu artista que no bilhete sob a flor, deixava clara sua intenção de pintar momentos a mais.
* Texto dedicado a Don Rafael e Srta. Giovanna.
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