A LITTLE HELP
Mariazinha Cremasco

Eram dois irmãos totalmente diferentes. Viriato, o mais velho, sessenta e cinco anos. Bom vivant, bonachão, cabeça fresca, alegre, gentil, bem humorado, de bem com a vida. Não propriamente desonesto, mas embrulhão. Enrolava a quem pudesse. Era esperto. Não tinha cultura nenhuma. Falava mal, estraçalhava a gramática. Bastante social, era muito querido no seu meio.

Olavo era o mais jovem dos dois. Cinqüenta e cinco anos. Sisudo, anti social, não gostava de nada e nem de ninguém. Punha defeito em tudo e em todos. Era culto, inteligente, bem informado e muito, muito preconceituoso. As pessoas ou o ignoravam ou o idolatravam. Competente no trabalho, era visto como "o homem que sabe de tudo" e o apelidaram de "Aurélio", pois tinha o hábito de corrigir a todos. Nada passava batido por Olavo. Era honestíssimo.

Os dois irmãos pouco se encontravam. Apenas em velórios ou casamentos. Mesmo assim, Olavo relutava em ir aos casamentos de família. Detestava, e quando o fazia, era apenas e tão somente por insistência de sua mulher, Rita. Aniversários, batizados, coisas do gênero, a esses não ia mesmo. Nem adiantava insistir. 

Quando os irmãos se encontravam, as diferenças entre os dois ficavam ainda mais evidentes e chegavam a ser até engraçadas. Viriato falava suas "pérolas" e, enquanto todos riam, Olavo ficava roxo de raiva ou de vergonha (como podia aquela cavalgadura ser seu irmão?). Viriato ria gostoso ao ver a cara de Olavo, taxando-o simplesmente de mal-humorado, sem perceber as besteiras que falava.

Uma noite, Olavo confortavelmente sentado no sofá da sala, assistia a um documentário na TV, enquanto saboreava uma gelada cerveja. Sua mulher, cansada de tantos programas parecidos e acostumadíssima com as esquisitices do marido, trancafiara-se no quarto para ver as novelas ou programas que mais lhe agradavam. A campainha tocou. Olavo não atendeu, lógico. Simplesmente ignorou. Jamais atendia a porta (quase não recebiam visitas).

Depois de insistentes toques, Rita desceu as escadas irritada e disse:

- Não vê que estão insistindo? Veja quem é, pôxa!

- Não quero saber. Se for crente, não quero ser catequisado. Se for vendedor, não quero comprar nada. Se for pedinte, nada tenho para dar. Se for visita, não quero receber e pronto.

Como continuavam insistindo, Olavo resolveu olhar pela frestinha da cortina. 

- Caralho! É o meu irmão. Mas que merda. Ele veio me pedir alguma coisa. Ah, se ele vier me falar besteiras, vai ouvir. Que não me venha falar do Maluf (era véspera de eleição).

A mulher prontamente foi atender o casal que esperava na porta. Viriato trouxera sua esposa, Célia.

Mal sentaram na sala e Olavo, roxo como uma berinjela, ficou à espera do que trazia o irmão à sua casa, perturbando seu sossego. Não demorou muito e Viriato, que era curto e grosso, tirou do bolso uma caixinha de remédio e segurando a bula falou para o irmão:

- Olha... eu tenho que usar esse remédio aqui, que me custou trezentos e dez reais. O médico me explicou como devo usar, mas não estou conseguindo. Não dá certo. Fui ler a bula e a bula está toda escrita em "americano", pois o remédio é importado. Como você fala bem o "americano" vim aqui pedir para você traduzir e me explicar. Pode ser?

Olavo, mais roxo ainda, pegou o papel, tirou do bolso os óculos e começou a ler. Olhou para o irmão com cara de interrogação. Antes que perguntasse algo, Viriato foi falando:

- É. É isso mesmo. Tô brocha. Preciso aplicar isso aí e não tô sabendo como fazer. Traduza pra mim.

- Pôxa, mas você deveria falar com seu médico, não comigo. Isso é uma coisa constrangedora.

- Constrangedora por que? Quem tá brocha sou eu, não você. Já liguei para o médico. Não o encontrei. E sabe como é... véspera de feriado. Eu quero usar isso, dá para entender? Eu quero trepar com minha mulher.

A mulher de Olavo, divertindo-se com a situação mas não querendo deixar o marido ainda mais nervoso, convidou a cunhada para ir à cozinha, preparar um cafezinho. Riram muito. Célia contou que o marido estava obcecado com a idéia de transar e que queria porque queria. E ela pediu que ele não viesse à casa do irmão, pois sabia que não seria bom pra nenhum dos dois.

Rita aconselhou-a a fazer "certas" coisinhas, usar alguns artifícios que só as mulheres casadas experientes como elas sabiam fazer. Mas Célia respondeu que já tinha tentado de tudo e... nada. Que ela já estava até conformada com a situação. Queria era sossego. Rita ainda sugeriu comidas afrodisíacas, como ostras, ovos de codorna, amendoins e essas coisinhas das quais tanto se fala.

- Que nada, mulher. Ele não tem mais jeito...tá brocha de vez.

Depois de algum tempo, a bula traduzida do "americano" para o português, Viriato visivelmente calmo, Olavo visivelmente irritado, despediram-se (sem falar sobre Maluf, felizmente, o que fez Rita suspirar de alívio).

Sozinhos, o marido reclamou do irmão para Rita. Que isso não era coisa que se fazia, onde já se viu, tratar dessas intimidades com o irmão e dessa maneira. Resultado: acabaram brigando, pois a mulher não achava nada de mais um irmão pedir ajuda desse tipo para outro.

- Só falta amanhã ela te ligar para contar se deu certo ou não.

- E que trepadinha cara essa, heim? - brincou Rita.

Olavo, mais irritado ainda (se é que isso era possível) foi dormir contrariadíssimo:

- Tá vendo? Tá vendo? Você é igual a eles. Que baixaria. Não se pode confiar em ninguém mesmo. Nem na própria mulher. Como é que você acha graça numa coisa dessas? Caso fique sabendo do final dessa história, não me conte, não me conte. Poupe-me. Não quero saber. Já chega o que passei hoje. E a culpa é sua, que me obrigou a atender a porta.

Rita soube do final da história, claro. Mas jamais se atreveu a contar para o marido.

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