SALSA E CAFÉ
Luisa Jardim

Maryanna gastou todo o seu tempo livre, durante uma semana, procurando um cardápio apropriado para o jantar que faria para Augusto no sábado. Escolheu e descartou inúmeras receitas, nada parecia bastante bom, afinal, seria a primeira vez que ele viria ao seu apartamento. Bem, ele vinha buscá-la para sair diversas vezes, mas nunca tinha entrado. Esta seria uma noite especial... ele viria para saborear um jantar feito por ela.

Ela havia ficado sem almoçar 3 dias, entrando e saindo de boutiques, procurando um vestido especial para a ocasião (chique, mas simples, que podia ser usado em casa, mas mostrasse seu requinte, seu bom gosto). Amarelo? Não, ela ficaria pálida. Marrom? Nem pensar, senhora demais. Um pretinho básico? Nãoooo ... ficaria parecendo uma das garotas do escritório e ela não queria que ele se lembrasse de ninguém quando estivessem juntos. Vermelho ou laranja? Naummmm, muito "cheguei". Azul? De jeito nenhum, ficaria muito garotinha e ela queria que ele a visse como mulher. Finalmente se decidiu por um vestido de corte simples, em tom de goiaba, decote generoso, que deixava entrever a curva dos seios, tecido macio e que convidava ao toque, caríssimo, que a obrigaria a muitas horas extras no próximo mês para equilibrar novamente o orçamento.

Para combinar, comprou um conjunto de lingerie, também goiaba, mas em tom bem mais claro - lhe agradou o contraste dessa cor com sua pele, que ainda conservava o bronzeado das férias em Ubatuba.

A escolha da roupa e a imaginação voando quando antecipava o que poderia acontecer após (ou antes?) o jantar, estimulavam todos os seus sentidos, como um afrodisíaco. Eles se conheciam há cerca de um ano, mas só começaram a sair juntos há três meses (ele era um dos advogados da empresa e tinha vindo da matriz para reorganizar o Departamento Jurídico da unidade em que ela trabalhava), mas Maryanna, discretamente, havia investigado e sabia que ele era solteiro e parecia que não tinha deixado nenhuma noiva ou coisa que o valha em São Paulo. Ainda não tinham passado dos beijos apaixonados no carro, de carinhos mais, ou menos, ousados e, claro que ele já tinha insinuado a ida a um motel, mas diante da negativa dela, não insistira.

Felizmente nesta semana ele estava em São Paulo e só se falavam por telefone, pois teria sido difícil resistir a um convite. 

E agora, o cardápio ... depois de pesquisar, decidiu preparar uma salada bem variada (Augusto adorava palmito), um peixe assado (recheado com tomates, especiarias e cebola - bastante cebola, pois ela havia lido que era afrodisíaco) acompanhado de arroz branco e molho de camarão. Ele prometera trazer o vinho, mas ela comprou também um vinho próprio para peixe, para o caso dele trazer vinho tinto. Como sobremesa, escolhera suculentos morangos, que seriam acompanhados de uma calda de chocolate quente.

Tudo decidido, compras feitas, ela passou a manhã de sábado na cozinha, temperando o peixe, preparando os legumes para a salada, o molho de camarão. Tudo ficaria semi-pronto, para que ela pudesse lhe dar atenção, sem precisar ficar correndo à cozinha toda hora.

Às seis horas ela estava pronta, a mesa arrumada com capricho, com velas, copos de cristais, sua melhor louça e talheres. Sobre o aparador, uma bandeja com as xícaras chinesas que herdara de sua avó, fininhas, delicadas e que nunca haviam sido usadas. A faxineira tinha vindo e o apartamento estava impecável. De roupão, andava de lá pra cá verificando tudo, ajeitando o guardanapo, tirando uma poeirinha imaginária da mesinha de centro. O peixe precisaria somente de mais 15 minutos no forno. A calda de chocolate estava pronta na panelinha de fondue, para não endurecer ou perder o ponto.

Sete e meia. Só mais alguns minutos ... Mas, alguma coisa tinha que dar errado. Só com ela acontecia isto! 

Mesmo após o banho caprichado, a maquilagem, o uso generoso de creme hidratante, ela ainda sentia cheiro da cebola nas mãos. Isso era terrível e estragaria qualquer clima romântico. Sem outra alternativa, correu ao escritório/quarto de hóspedes, ligou o computador, entrou em um site de buscas e teclou "cheiro de cebola". Ufa, que alívio, logo encontrou duas dicas que seriam fáceis e não poderiam deixar de dar certo. Buscou na geladeira o restinho de salsa que sobrara do molho da salada, esmagou os talos e esfregou nas mãos. Depois, usou também a segunda opção: esfregou as mãos com pó de café e, oh, milagre! Nenhum cheiro de cebola!

Era tempo de colocar o vestido, ajeitar o cabelo e correr para atender o interfone, que avisava que o convidado chegara.

Maryanna o esperou na porta e quase ficou sem fôlego ao perceber que ele estava exatamente como ela sonhara - calça escura e camisa de linho impecável, um ramo de tulipas vermelhas nas mãos e um sorriso meio maroto, como se ele pudesse ler o seu pensamento.

Hoje, três anos depois, ele ainda brinca, dizendo que o que quase não o deixou esperar acabar o jantar, não foi o decote do vestido cor de goiaba, o estímulo afrodisíaco do morango com calda de chocolate ou o brilho nos olhos de Maryanna, mas ... o cheiro de salsa com pó de café que sentiu quando beijou as mãos dela.

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