AS UNHAS DOS DRAGÕES DE KOMODO
Heringer

Eu sou médico há 20 anos e sei, por experiência clínica, que não há substancias afrodisíacas. Isso é pura crendice, e geralmente associada, quando o produto é animal, à grande excitação e à frenética atividade sexual de algumas espécies, como no caso das codornas – lembram-se da canção “Ovo de Codorna” popularizada na voz grave e inconfundível de Luiz Gonzaga? Pois um amigo meu, de longa data – concluímos juntos o curso ginasial – quer, de qualquer maneira, que eu lhe receite um afrodisíaco.

Fosse ele também um médico, e tenho alguns bons amigos neste meio, e por certo, não me pediria tal coisa, já que saberia o quão inócuas são tais substancias; mas, ele não tem tantos conhecimentos assim, pois interrompeu os estudos, sem mesmo chegar a cursar uma faculdade. No entanto, é um homem capaz, de ótimas relações pessoais, e bem sucedido na vida – é proprietário de uma elegante e movimentada oficina mecânica - e sabe, como ninguém, os truques para se conservar solteiro! Talvez por isso mesmo, pois vive tendo casos aqui e acolá, esteja se sentindo menos potente ultimamente. Quase da mesma idade - ambos beiramos os 45 anos - já lhe expliquei que é comum ter a libido diminuída, as pessoas desta faixa etária, e que isso não chega a caracterizar um quadro de impotência. Mas, nada parece demovê-lo destas preocupações. Penso mesmo, que ele deseja, ardentemente, uma solução mágica, como aliás a maioria dos humanos, pois busca desesperadamente respostas onde dificilmente as encontrará. A mágica não existe – eu já lhe adverti - é uma mera ilusão! Mas ele não parece se convencer tão facilmente.

Dada a nossa amizade, eu me decidi por ajudá-lo, dando-lhe justamente o que tanto anseia - ou algo bem parecido com isso. Mesmo porque, já ando a me aborrecer com a mesmice desta conversa chata e insana. Na última vez, em que nos vimos, eu lamentei não ter ficado em casa, saboreando um livro muito interessante, que eu lia e que me arrebatava, e cujo assunto era o umbigo de Adão. Gosto muito de antropologia e dos temas correlatos; e a discussão que o livro suscita é pertinente: tivesse Adão – ou Eva – umbigos, e então ficaria claro, que teriam nascido de parto, como, aliás, sucedeu-se com todos nós. Ao contrário, sem umbigos, não seriam eles modelos perfeitos, e aí, está criado um terrível impasse. Lembrava do meu livro, de leitura boa e agradável, enquanto ele continuava a me bombardear com as suas mais recentes desventuras e frustrações amorosas. De dar nos nervos! – eu pensava. 

Vencido, por tamanha insistência, mandei preparar, numa farmácia de manipulação, da minha confiança, um preparado à base de cálcio, na verdade, um autentico placebo. Em casa, ao computador, criei e imprimi cuidadosamente o rótulo, com dados e artes grafados em uma língua ininteligível e levei pra ele. Informei-lhe, tratar-se de um produto sagrado, preparado com unhas autênticas de dragões de Komodo – penso, que não ponho em risco a existência destes animais, propagando tais mentiras, pois duvido que alguém daqui, vá até lá, e se arrisque tentando retirar as enormes e venenosas unhas daqueles magníficos monstros. "Veio da Ásia – enfatizei - e é a última palavra em afrodisíacos". Cuidei de recomendar-lhe a posologia adequada, enquanto lhe orientava que se abstivesse de sexo por duas semanas consecutivas, inclusive, dos prazeres de Onan. Precavido, indiquei-lhe ainda um complexo vitamínico, anti-estresse, e muito eficiente. Tais cuidados ressuscitariam um Lázaro, e o meu amigo, por certo, sentiria, em poucos dias, os benefícios da nova dieta. Infalível!

Tempos depois, nos vimos novamente. O resultado foi gratificante. O meu amigo comportava-se como um campeão. Ria muito e me agradecia, a todo o momento pelo “santo" e "milagroso" remédio. Vendo-o assim, esfuziante, não pude evitar de entristecer-me, ao refletir na minha própria condição. Separado, há cinco, após um casamento que durara dezesseis longos anos, eu andava deprimido e evitava novos relacionamentos, justamente por me sentir, também eu, um “impotente”. Nunca diria isso pra ele, pelo receio de agravar ainda mais o seu quadro, e mesmo porque, recatado como sou, jamais me permitiria tais intimidades e confidências com os amigos. Um companheiro médico, certa feita, recomendara-me o Viagra, mas até hoje relutei em usá-lo. Agora, vendo este homem assim, animado, eufórico, e com o apetite sexual renovado, eu me decidi por aceitar o auxílio químico – não creio em poções mágicas e nunca procuraria por afrodisíacos, mas comprarei, ainda hoje, o Viagra.

Tais pensamentos, espantosamente, já foram suficientes para produzir em mim, incríveis transformações, fazendo renascer esperanças e alegrias, há muito relegadas ou esquecidas. E, para minha surpresa, me pego observando com olhos desejosos, as lindas mulheres que circulam pelo ambiente. Uma, ainda mais que as outras, chama a minha atenção de forma surpreedente. Veste uma blusa mínima que deixa prever seios perfeitos e tem o ventre cinematográfico, onde nada parece estar em desalinho. Tanta harmonia faz com que se sobressaia entre as demais. No umbigo, que nunca vi mais charmoso, ostenta um piercing prateado, de desenho delicado. Uma maravilhosa filha de Eva – eu penso, agora, cada vez mais atento aos seus movimentos reptilianos. Impossível não me lembrar do bom livro que falava dos umbigos de nossos primevos pais. Prefiro imaginar a estonteante e linda Eva tendo o seu, muito bem acabado – uma pequenina taça, feito uma jóia rara, esculpida por mãos geniais. E,como alguém já sugeriu... "depois de terminada a Sua obra, foi ali que Ele assinou" 

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