CALCINHA MANCHADA DE SANGUE
Bruno Freitas

Mario havia saído de casa com o único propósito de se dar bem, e quem sabe retornar para casa com o suvenir mais precioso da mulher, que era sua calcinha. Era noite de segunda-feira, e ele sabia que se encontrasse alguma vadia na rua, só podia ser vadia mesmo em plena segunda-feira. Há muito tempo desenvolvia a teoria de que segunda-feira era o melhor dia para sair à caça, como ele fazia. Pois, acreditava no forte ímpeto de uma mulher que saísse de casa em plena segunda-feira à noite.

Mario seguiu como de costume para sua boate preferida, onde sempre estudará outras fêmeas, mas sem grandes resultados. Mario era meticuloso e organizado e mantinha um calendário de suas conquistas e ultimamente sabia que andava em grande desvantagem. Chegou na boate como previsto, deu cinco reais pro vigia, vigiar seu automóvel. Pagou dez reais para entrar na boate e comprou logo uma tequila, que custou-lhe quatro e cinqüenta. 

Passeou por entre os ambientes da boate e ficou de olho em duas meninas sozinhas que avistou ao longe. Observou o comportamento das duas, que notaram sua existência e riram dele com um ar debochado e irônico. Mario não se intimidou e mostrou os dentes num belo sorriso, elas riram mais ainda e olharam para o lado. Mario viu dois jovens robustos se aproximarem das garotas e beijarem-lhes as bocas. Pelo menos a tortura havia enfim terminado.

Mario passeou mais na boate e encontrou uma mulher sentada sozinha no balcão, bebendo uma caipirinha muito bem envenenada com açúcar e limão. Provavelmente chegara depois dele, já que não notara sua presença antes. Mario se aproximou e sentou-se ao lado, mostrando novamente os dentes. Ela retribuiu e baixou a cabeça. Ele ofereceu-lhe uma bebida, ela mostrou-lhe seu copo ainda cheio e aceitou uma Grabiela-Cravo-e-Canela, que bebeu num gole só. Mario pediu o mesmo que bebia, gastando assim seis reais e cinqüenta.

A mulher começou a se soltar e mostrar também seus dentes, que Mario admirou-se pelo belo afrodisíaco que ela bebia, que logo pediu mais duas rodadas de Gabriela-Cravo-e-Canela. A mulher já nem mais se continha que Mario sugeriu que saíssem daquele lugar, e fossem a algum mais tranqüilo onde pudessem conversar. Para sua surpresa, a mulher não só aceitou, como sugeriu logo irem os dois pro motel, e evitarem longa noite de antecipação.

Mario não podia acreditar que logo suas preces seriam atendidas, e ele quebraria a barreira do som, montado em bela potranca de ancas fartas e sensuais. Foram-se para o motel que Mario conhecia, pois, sabia o preço da estadia. Em frente ao motel seus sonho se esvaíram ao perceber que fazia muito tempo que não ele ia ao motel. O preço havia subido, e ele não sabia, que perguntou ao recepcionista, devidamente escondido atrás da cortina do interfone e da cabine fume, se aceitavam cheque ou cartão. Eles só aceitavam cartão de crédito, pois cheque já era covardia. Entraram os dois e subiram a suíte Porta-Estandarte, que era o que ele poderia pagar.

Mal entraram, que acenderam todas as luzes, ligaram todas as borbulhas que puderam, acionaram todos os dispositivos espaciais e flutuaram até as estrelas nas preliminares da paixão numa plena segunda-feira. A mulher excitadíssima, sugeriu que tomassem um banho para relaxarem e prosseguirem o começado. Pediu-lhe apenas alguns minutos sozinha no banheiro e que assim que ela lhe chamasse, queira que ele entrasse nu em pelos e a dominasse ali mesmo no chuveiro.

Mario não podia mais acreditar na sorte que possuía em encontrar um belo exemplar em plena segunda-feira. Pois, tudo isso era coisa rara de acontecer, que jamais pensaria que aconteceria em plena segunda-feira. Pois, Mario era daqueles que jamais ficava em casa sozinho dia qualquer, com medo de alguma oportunidade perdida. Algo parecido lhe acontecia quando imaginava que em outra boate, ou nalgum bar sujismundo das ruas, poderia estar a mulher de sua vida, e mesmo se não fosse sua eterna parceira, uma breve trepada já era bom o suficiente. Por isso, Mario nunca ficava tranqüilo em qualquer lugar, imaginando o que poderia estar perdendo em fazer-se ausente em qualquer outro lugar que pudesse imaginar, em que não estivesse. Era por essas e outras, que Mario não acreditava em sua sorte de ter encontrado, em plena segunda-feira, uma mulher que compartilhasse sua noite, deitando-se ao seu lado e oferecendo-lhe sua fruta mais que proibida.

A mulher retirou-se ao banheiro proibindo expressamente sua entrada antes que ela mesma o liberasse. Mario pensou que fossem joguinhos de amor, e que talvez ela quisesse experimentar novas fantasias. Mario não se importava com fantasias, e até possuía suas próprias, que chegava a suspirar por um relacionamento aberto e cheio de sacanagem. Somente assim, ele poderia vestir-se com seu velho macacão sujo de graxa, deixando os peitos peludos à mostra, esperando que ela o chamasse de Sarney. 

Vem Sarney! Vem Sarney! _ Diria ela sensualmente. Mario inquietava-se com sua demora no banheiro e começara a sentir certo desconforto em ficar sozinho, num quarto enorme e vazio. Queria entrar no banheiro e compartilhar um banho gostoso com a nova parceira. Queria explorar as curvas daquela mulher nua no banheiro. Mal podia resistir a tentação de invadir o banheiro de pau-duro e atirar-se contra a mulher nua, e de pensar que não passava de uma segunda-feira.

Mario chegou a imaginar até quando suportaria aquela espera, que chegou a imaginar que os joguinhos de amor poderiam ir mais além, e que talvez, ela estivesse apenas esperando seu nobre invasor, que entrara no banheiro por engano, deparando-se com uma mulher nua. Quem sabe ela poderia chamar-lhe de Sarney...

Mario abriu a porta bem devagar, colocando seu rosto entre as frestas para ver primeiro o que se passava no banheiro e obter assim a confirmação legal de sua ousadia. O que ele viu, não poderia descrever nem mesmo se quisesse, e lutou vários anos em vão, para esquecer aquela imagem. 

A mulher estava sentada no vaso, defecando na mais singela harmonia. O que Mario viu estava prestes a ecoar para o resto de suas conquistas. Jamais ousaria desafiar a proibição de mulher qualquer. Mario chorou de consternação ao notar sua brochada desonrosa. Fechou a porta e correu para o quarto, jogando-se na cama e enfiando a cabeça sob os travesseiros, rezando uma prece cósmica por alguma alquimia, ou evocação afrodisíaca que o fizesse esquecer o que havia visto. Ligou a 'têvê' no canal pornográfico e jurou castidade pelo resto da vida, se conseguisse alguma ereção naquele momento.

A única coisa que Mario podia se lembrar é o exato momento em que os dois passarão nas proximidades do motel, que ele pensou ter visto passar um carro ao seu lado com um catalisador dos infernos, que paralisou até as cartilagens mais sensíveis de sua narina. Aquele cheiro horrível que ele sentira, foi sua parceira de segunda-feira. Aquilo ele jamais esqueceria. 

Mario ouviu o chamado da parceira no banheiro, e sentiu pavor de voltar para aquele lugar, e por acaso deparar-se com o mal-cheiro do catalisador do carro que o ultrapassou naquela via. Mario entrou no banheiro meio receoso e evitando o contato direto com o ar quente por ali, que para sua surpresa a mulher soube muito bem como confundir-lhe os sentidos. 

_ Vem quente... Que estou fervendo _ disse ela, soprando uma baforada de cigarro no banheiro. Mario sentiu o cheiro forte de fumaça de cigarro e pólvora no ar. Ela fumava uma marca forte e cortante, mostrando firmeza e confiança. A emenda ficou pior que o soneto, diria Mario, se não estivesse ocupado demais relembrando toda a cena em sua imaginação. Não eram somente de memórias que a mente de Mario vivia naquele momento, como também de imagens construídas a partir de uma matriz bem definida. Mario imaginava a parceira contraindo-se no esforço da cagada, que imaginava não sentir o mesmo asco durante um orgasmo qualquer da mulher. 

Mario encarou seus medos e entrou de vez no banheiro, e logo viu a calcinha velha e surrada num canto, manchada de algum tom pastel bem forte. Sua dúvida provocou uma reação defensiva na dama da segunda-feira. Acabei de ficar mestruada... _ disse-lhe ela, pois estava se saindo melhor que a encomenda. Agora Mario tinha certeza de que aquela mancha na calcinha não era nada de mais, e muito menos algum corrimento corriqueiro da mulher. Aquilo era bosta mesmo!

Mario sentiu a brochada por antecipação e disse a mulher que isso nunca lhe ocorrera antes. Depois de tudo ele ainda teria que ouvir a mesma velha ladainha de que as coisas são assim, e que isso é normal. Quando tudo que ele queria ouvir era a pergunta de qual era o telefone do táxi, por que ela nunca se sentira tão rejeitada em toda sua vida, e que isso é o que deu por ela sair em plena segunda-feira, pois nada dava mesmo certo numa segunda-feira, e que ela devia ter ficado em casa sozinha vendo 'têvê', que era o melhor que ela podia ter feito. Mas o Mario teve que levar a pobre cagona em casa, com a certeza absoluta de que todo mundo caga. E até a mulher mais perfeita que ele pudesse encontra caga, e que a cagada era o mais potente antiafrodisíaco que alguém poderia imaginar. Depois de alguns dias Mario superaria o trauma e sairia novamente de encontro com a mulher mais que perfeita, ou quem sabe uma qualquer que lhe sorrisse nas mesmas noites de segunda-feira.

Mas naquela segunda-feira, aquela calcinha manchada de sangue, como ela dizia, não tinha preço, e nem mesmo seu Mastercard pagaria.

fale com o autor

Para voltar ao índice, utilize o botão "back" do seu browser.