UMA BENÇÃO!
Beto Muniz

 
 

Se não tivesse atuado como assistente de Deus eu poderia garantir que oração é ótimo afrodisíaco, mas minha influência no desenrolar do milagre me obriga a relatar o ocorrido para que a verdade fique límpida.

Eu tinha coisa de dezesseis anos quando fugi da escola dominical junto com o Júlio, o Coruja, amigo de infância e de orações, para visitar a Vila São João, que era a zona da cidade. Juntos também fomos expulsos de lá pela Alzira Capivara, que era puta de respeito, honesta e grande comerciante. Primeiro passou uma descompostura e depois, longe dos clientes, passou o recado do dia e hora em que poderíamos voltar e ser atendidos pela suas meninas. Penso que foi culpa dela a gente ter trocado as doutrinas da igreja pelas farras no puteiro. Mas chegava ser covardia contra Deus fazer dois adolescentes escolher entre os prazeres mundanos e as promessas da bíblia.

A igreja orou pela redenção dos seus filhos e após o culto em que o pastor exortou seu rebanho a seguir os ensinamentos do apóstolo Paulo - que assegurava ser bem melhor ao jovem se casar que arder-se, trouxeram a mim e ao Coruja, duas irmãs recém entradas em idade de matrimônio. Resisti bravamente aos poucos encantos das mocinhas de medidas amplas e posses compatíveis, mas o Coruja se encantou pela Raquel e decidiu casar com ela. A simpaticíssima "meia gordinha" seduziu meu amigo, mas cristã praticante que era não iria além do beijo na boca até que se unissem perante as leis de Deus e as leis dos homens. A festa de despedida de solteiro foi com as meninas da Alzira, a de casamento foi na igreja evangélica em que fomos criados. Papai os abençoou em nome de Deus.

Quem imaginou o Coruja de volta a igreja com uma bíblia debaixo do braço todo sábado gastou oração em vão. Apesar dos dezoito anos completos, as visitas a Vila São João continuaram às escondidas. Semanalmente ele visitava a Margô da Alzira ou a Lurdinha, também da Alzira, porque todas as meninas eram da Alzira, e a cada dia se apresentava mais empolgado. Por outro lado, nas poucas vezes em que fui à igreja, irmã Raquel lançava um desalentado "Aleluia", como se lhe faltassem forças. "O Coruja está queimando todas as calorias da crentinha" - acreditava eu com uma pontinha de inveja e até pensando em me casar com a outra meia gordinha e herdar também parte na fazenda do sogro. 

A verdade se fez quando ouvi mamãe comentar com meu pai, o pastor, que a irmã Raquel estava pedindo oração para melhorar seu casamento. Soube que a esposa do amigo preparava gemadas, chá de catuaba, acará com gengibre e outras iguarias afrodisíacas esperando que ele aquecesse o comportamento íntimo, mas o camarada mantinha a mesma conduta morna papai-mamãe como se não tivesse pela esposa o interesse que ela esperava e merecia. A moça estava desanimada e achando que fizera coisa errada ao casar-se.

Ciente da verdade, engajei-me nas fileiras divinas como ajudante direto de Deus, ou, como disse papai, pastor evangélico, ao saber da minha intromissão no milagre: Deus me usou para que se cumprisse Seu desígnio.

O fato foi que na mesma tarde eu peguei o Coruja, levei pro boteco e coloquei-o a par dos acontecimentos. Devidamente encabulado, ele confessou que uma barreira invisível o obrigava ser formal com a esposa. Tão distinta que ela lhe parecia! Abriu seu coração e a segunda cerveja enquanto eu considerava que sua mulher devia gostar tanto de festinha quanto as meninas da Alzira. Encorajado pela quinta cerveja eu o aconselhei ir pra casa e se liberar, na cama agir com sua Raquel da mesma maneira que agia com a Lurdinha.

- Ingualzin?

- Mesjeito - que no minerês quer dizer "mesmo jeito".

- E se ela pedir pra bater na cara feito Lurdinha?

- Sentamão!

Enquanto esvaziávamos a sétima cerveja ele avaliou meus conselhos, julgando-os todos aproveitáveis. Então selamos o acordo de mudança no procedimento do amigo abrindo a décima garrafa. Depois cada qual tomou seu rumo - eu pra casa da Alzira, que tinha várias meninas, e ele pra casa da Raquel, que era bem mais bonita que qualquer das meninas de Alzira. 

Três semanas depois, durante as quais visitei Lurdinha e Margô sem a companhia do Coruja, eu voltei à igreja para amenizar os pecados e lá estava meu amigo recitando versículos do livro sagrado. Ao seu lado a esposa bradava vigorosos "Glória a Deus" e potentes "Aleluias", crente de que as orações haviam abençoado o seu casamento e o desempenho do marido.

 
 

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