CADÊ MEUS ÓCULOS?
Paulo Panzoldo

O domingo era de chuva e frio, aquela garoa bem paulistana, que só de quando em quando se faz presente nos poluídos dias de hoje. Alfredo cochilava na poltrona enquanto Isaura tricotava um casaquinho de lã para a neta que vai nascer. Uma moto passa pela rua, escapamento aberto, aquele "acorda-quarteirão" de querer matar a mãe do infeliz. O barulho acorda Alfredo que, resmungando, levanta-se e vai até a cozinha beber um copo d'água. Na volta, pega a edição de esportes do jornal e bate com a mão num bolso do pijama, depois no outro. Resmunga:

- Cadê meus óculos? Isaura, você viu meus óculos?

Não, ela não viu os óculos do Alfredo. Ele vive perdendo esses malditos óculos. Alfredo, homem vivido, tem boa saúde, porém, a vista cansada o impede de ler o que quer que seja sem o auxílio dos óculos. Como sempre, ele se desespera. Inicia a busca pelo sofá, levanta uma almofada, depois a outra, pede que Isaura se levante, por favor. De má vontade ela se levanta, olha feio.

- Mas que droga! - torna a resmungar o velhote.

- Droga o quê, meu velho? É você quem vive perdendo os óculos.

- Será que não dava para você me ajudar a procurar?

- Onde é que você os perdeu?

Ele se irrita. Afinal, tão certo quanto os próximos eleitos não farão absolutamente nada para remediar o Brasil, basta alguém perder alguma coisa, qualquer coisa, pedir ajuda e lá vem a resposta: "Onde é que você perdeu?" É pá e bola!

- Ora, se eu soubesse onde tinha perdido não precisava procurar!

E lá vão os dois a procurar os óculos do Alfredo pela casa adentro. No quarto, dentro do armário, debaixo da cama, atrás dos criados-mudos. No banheiro, Alfredo obrigou a esposa esvaziar o cesto para ter certeza de que ela não os tinha jogado fora. Logo ela, tão cuidadosa com as coisas dele. Ela sabe que no final das contas a encrenca vai sobrar para ela ou para Etelvina, a empregada.

Etelvina, eis a salvação.

- Etelvina!!! - grita Isaura.

- Deve estar dormindo, minha velha.

- Pois que acorde. - e torna a gritar: Etelvina!

A negrinha aparece na sala, o cabelo pixaim despenteado, o uniforme desalinhado, devia estar mesmo dormindo, a coitada. Exposta a gravidade da situação, a negrinha pergunta ao patrão:

- Mas onde é que o senhor perdeu o óculos, seu Alfredo?

Alfredo quase teve um ataque de nervos. Por que é que o Ser Humano tem que ser tão óbvio?

- Minha cara Etelvina, se eu soubesse onde perdi esses benditos óculos não precisava de sua ajuda para procurar, não acha? 

A empregada sai batendo os pés em direção à cozinha. Menos de um minuto depois, volta à sala. Nas mãos, os óculos do seu Alfredo. 

Meio sem jeito, ele agradece. 

- Mas onde foi que você achou os benditos, minha cara? 

- No mesmo lugar onde o senhor perdeu eles, ora essa!

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