A JORNADA PELO
ESCRITÓRIO
Paffomiloff
A moça do cafezinho ajustou a tampa da garrafa térmica, até que o silvo do anel de borracha parasse. Não queria o destino de sua amiga, Bete, que vertera meio litro de café na calça do chefe Horácio.
Bete fora demitida, mas, em compensação, Horácio mudara seu nome para Vera, e ganhava uns trocados, depois do expediente, como show-girl numa casa noturna.
A moça do cafezinho foi empurrando o carrinho pelo corredor comprido, onde dúzias de funcionários fumavam como usinas. Ela teve de abaixar-se, para enxergar sob os cortinados de fumaça escura e pegajosa. A visibilidade era tão pequena, que os office-boys estavam sem teto para pousar, por isso entregavam os despachos para qualquer um.
Natércio recebera equivocadamente a informação que sua sogra estava por chegar, para passar uma semana. Ele se matou a gavetadas, sem saber que a sogra era do Lupércio, que deveria estar sentado na mesa próxima da janela, mas que estava ocupado no banheiro, com a estagiária.
A moça do cafezinho desviou do cadáver, mas a roda passou pela poça de sangue, desenhando uma linha vermelha até o pool de computadores, onde os técnicos discutiam ferozmente, em meio a uma partida on-line de Diablo. Ela entregou os cafezinhos corretos, sempre com um sorriso.
No meio à batalha de bolinhas de papel, feitas com documentos sigilosos, sua atenção foi chamada por duas batidas que vinham de dentro de uma armário de metal. Dirigiu-se para lá, a fim de constatar se havia alguém lá que precisasse de uma bebida revigorante.
Ela abriu a porta de aço.
Dentro do armário, um funcionário baixo, com bigodinho, estava sentado numa banqueta, com um laptop no colo. Seus olhos míopes escudavam-se em lentes tão grossas que, expostas ao sol, poderiam incinerar meia Amazônia.
- O senhor quer um café?
- Não, obrigado - respondeu ele.
A moça do cafezinho ia fechando a porta, quando ele falou:
- Você não vai perguntar?
Ela olhou para o homúnculo, sem entender-lhe a pergunta.
- Todo mundo que me vê pergunta por que eu trabalho nesse armário.
Ela levantou os ombros. Esperando que ele concluísse.
- Pois vou lhe dizer: Este armário é o único ponto pacífico nesse escritório, que mais parece um manicômio.
Ela assentiu, e fez menção de voltar ao seu trabalho, quando o homem do armário falou, pela última vez:
- Era isso que queria saber?
A moça do cafezinho reabasteceu os copinhos de plástico sobre a bandeja, levantando os ombros.
- Não queria saber, nem ia perguntar. Sou apenas a moça que entrega o cafezinho.
Foi empurrando o carrinho pelo corredor, sumindo na névoa escura.
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