PONTO PACÍFICO
Marco Aurélio Brasil Lima
Encontraram-se na seção de congelados do supermercado:
Ele, sorrindo:
- Sem tempo para cozinhar, não é?
Ela, reticente:
- Não, não. Minha irmã vem me visitar e ela adora esse ravióli.
- Tem bom gosto. O de ricota é divino. Já provei.
- Eu não suporto ricota. Vou levar carne, mesmo, que sempre cai bem com um vinhozinho...
- Hum. Não bebo. Para mim um suco de acerola dá o contraponto exato. Mas também, eu prefiro ricota...
- Não suporto ricota. Bom, com licença; preciso passar na locadora.
- Comédia, decerto.
- Não, Krzistof Kieslowski. Estou com um plano de rever a trilogia das cores essa semana.
- Ah, certo. Gostei da Fraternidade é Vermelha. Aquela Irene Jacob é... digo, uma boa atriz.
- Claro. Mas a Liberdade é Azul é que é o grande momento da trilogia.
- Então você vai passar a noite com a Juliette Binoche.
- Na verdade é para amanhã, que hoje estava a fim de ver um show.
- Boa! O Djavan tá na Tom Brasil.
- É, mas o Echo & The Bunnymen tá no Credicard Hall. Sou louca por eles.
- Vai arrastar teu namorado pra lá.
- Umas amigas.
- E depois dançar um pouco nalgum lugar.
- Xi, não. Provavelmente comer uma pizza.
- Alguma coisa me diz que você não é católica.
- Acertou. Presbiteriana.
- Ah. Bom, pelo menos os presbiterianos são malufistas, como eu.
- Credo! Sou militante do PT há dez anos! Não acredito que alguém ainda vota no Maluf em sã consciência.
Ele, um pouco contrariado:
- Hã, bom... eu não quero atrasar você. Ainda tem que passar na locadora, não é?E eu fiquei com vontade de ver o Djavan, depois desse papo todo.
Ela, visivelmente chateada:
- Claro. Tchau!
- Tchau.
Já a uns cinco metros ele se vira:
- Uma última pergunta...
- São paulina! Ela grita.
- Eu também!
Correm ao encontro um do outro e se enlaçam num beijo selvagem.
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