TEMPOS MODERNOS
Lena Chagas

Nos últimos 50 anos a tecnologia vem acelerando numa velocidade muito maior que a nossa compreensão possa alcançá-la. E é assim, em todas as áreas em que ela está presente. 

Nunca se viu, por exemplo, tanta variedade de eletrodomésticos e o constante surgimento de outros tantos, como nas últimas décadas. A pressa de apresentar o "último lançamento" ao consumidor só não é maior que a urgência de algumas pessoas em adquiri-lo. 

Com ou sem crise econômica, mesmo com os juros lá nas alturas, sempre há pessoas que estão à procura do aparelho ou do equipamento "mais moderno" para substituir o "ultrapassado". Consertar ou renovar, em muitas das vezes pode ser até mais caro que adquirir um novo, é verdade. Mas está cada vez mais presente a idéia da simples troca por um novo, que em seguida será substituído por um outro mais recente e assim sucessivamente. É a filosofia do descartável: sujou, joga fora; estragou-joga-fora-e-compra-outro. 

Pelo menos constatei um exemplo desses, numa visita que tivemos outro dia, por aqui. Um colega de turma, do meu filho (ambos têm 12 anos), veio brincar com ele. Dono de uma curiosidade ímpar, de tudo queria saber e para tudo tinha uma resposta. Sua atenção era toda voltada aos eletrodomésticos que ia encontrando, ou não, pela casa. De todos sabia o que havia de mais moderno nas lojas e muitos deles já estavam ou já tinham estado em sua casa. 

"- Lá em casa não tem esse negócio de consertar, não! Quando enjoamos de alguma coisa ou quando algo estraga, a gente põe no lixo e compra um novo". E com a postura de um grande conhecedor, enumerava um a um:

- A nossa TV é de 43 polegadas, tela plana, som "stereo surround" e tecla "SAP"; meu pai só faz churrasco na churrasqueira elétrica "Foreman", anticheiro; o fogão da minha mãe tem sistema "building-in"; a batedeira é "stand mixer"; e... " E a lista não tinha mais fim. 

Não demorou muito para ele perguntar de que marca e "geração" (!) era a nossa geladeira. Meu senso de humor, ainda extasiado com a "preocupação" do garoto, não se fez de rogado e impediu que eu o levasse até a cozinha, para que ele mesmo visse, enquanto eu dizia:

- Ela é da última geração e o degelo é por controle "hand-moto", com sistema "joguimbox". 

Não sei se ele não entendeu ou se os seus olhos esbugalhados eram de incredulidade pelo tamanho da minha cara-de-pau. O fato é que ele saiu correndo e finalmente os dois resolveram brincar.

Cheguei a pensar em mostrar a geladeira para ele e explicar a bobagem que eu havia dito, mas passou o momento e acabei esquecendo. 

Ele foi embora sem saber que temos essa geladeira há 20 anos ("última geração" das geladeiras sem degelo totalmente automático), nunca estragou e gela que é uma maravilha. Só que para facilitar e apressar o degelo (que funciona quando eu lembro de apertar aquele botão!), eu a desligo e removo as placas de gelo do congelador (controle "hand-moto") e as jogo no box do banheiro ("joguimbox"). O trocadilho é pobre e sem graça, mas na hora não resisti e achei muito engraçado (Mas ele não sabe disso!). 

Não que eu seja contra as maravilhas eletroeletrônicas que muito facilitam as nossas vidas. Gosto e faço uso de algumas delas. Apenas não sou adepta ao troca-troca puro e simples, nem ao consumismo desvairado. Só depois de esgotar as chances de recuperação é que vou estudar as possibilidades do bolso e as qualidades do produto para trocar alguma coisa. 

Talvez seja exagero meu. Mas a idealização do novo é que me parece exacerbada. Hoje, tudo tem de ser novo, de última geração, mas quando ele chega já está defasado; a voracidade insaciável pelo produto recém-lançado já o tornou obsoleto. E a frustração se estabelece. Então a busca pelo novo recomeça. E tudo se repete. 

A durabilidade deixou de ser qualidade. Em seu lugar, o descartável e o renovável é que têm valor. Muitos dos produtos novos que compramos hoje, certamente não terão histórias para contar. Suas vidas são muito curtas. Não têm tempo para memórias. 

E quem liga para isso se a própria vida passou a ser descartável? Inversão de valores. Supervalorização de coisas e desvalorização de sentimentos. 

A vida moderna parece seguir esse rumo. Tomara que isso não seja um ponto pacífico.

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