DICIONÁRIO TRAFIQUÊZ
Bruno Freitas
- Olá... Como vai?
- Vou bem, e você? Por que ligou essa hora?
- Queria lhe avisar que chegaram aquelas camisetas que você encomendou.
- Ah! Que bom!
- Quantas você vai querer?
- Vou querer meio metro... O preço ainda é o mesmo?
- É sim... Se fosse no varejo, seria um pra um, agora sendo em atacado, como você quer... Vai sair bem mais barato...
- Vou querer meio metro. Você ainda tem aqueles tênis?
- Tenho sim... Vai querer alguma?
- Primeiro eu queria ver o catálogo... Você não pode me enviar via fax?
- Infelizmente, isso é impossível...
- Tudo bem, apenas faça-me o favor de trazê-lo junto com as camisetas.
- OK!
Desligaram o telefone inocentes ao fato de estarem sendo monitorados, e o que era para ser uma simples compra de tecidos, e utensílios esportivos, transformaria-se num escândalo nacional relacionado com o tráfico de drogas e armas de fogo.
A mídia televisiva divulgaria o relatório completo de suas atividades ilegais, transformando sua íntima conversa, na base para o primeiro e revolucionário Dicionário do Tráfico.
Na linguagem do tráfico tecido = cocaína, camiseta = maconha, tênis = armas, e assim por diante... Numa lista interminável de substantivos metafóricos.
O único problema com essa criação do tal dicionário revolucionário, é que ele serviria apenas para essa conversa específica. Pois, como ficaria constatado que os códigos mudariam de acordo ao cliente, e sempre traziam outros e novos substantivos metafóricos para representar os mesmos tipos de assuntos ilegais.
Quem sabe, da próxima vez, tênis fosse = tênis, camiseta = camiseta e tecido = tecido.
Quem sabe até, aquele cidadão ali na esquina, empunhando uma arma de fogo apontada ao transeunte, fosse apenas um jardineiro que trocasse o 'n' pelo 'm'.
- Fica quietinho aí... E passa logo essa grana!
O que importa é saber quem matou Tim Lopes, e que o cantor Belo não é lá flor que se cheire...
O incrível mesmo é ver a mídia televisiva tratando o assunto com a sabedoria de quem é expert na tradução dos termos técnicos usados pelos traficantes. Sugerindo a criação do Dicionário Trafiquêz - a bíblia por trás de todas conversas à prova de escutas telefônicas.
Não obstante ao fato de terem criado uma nova língua, e quem sabe um novo código, onde tudo pode ser interpretado da maneira que quiseres. Basta imaginar.
Um código que já vêm sendo utilizado com muito sucesso pelos criminosos mais bem sucedidos do país:
- Alô? João? Sou eu...
- Eu quem?
- Eu! Porra!
- Ahhhhh! É você?
- Não, sou outro...
- Mas então, quem é você, afinal?
- Sou eu! Porra!
- Mas você havia dito que não era você?
- Cala a boca e escuta... Combinei com o cara de ir pegar aquele tênis...
- Que tênis?
- O tênis! Porra!
- Ah! O tênis... Mas não é melhor dizer logo o assunto...
- Mas e se o telefone estiver grampeado?
- Por isso mesmo... Fala logo que fica menos na cara...
- Ah! É mesmo...
- Quanto vai ser?
- Seiscentos contos... O kilo...
- Beleza, né? Metade pra mim, e metade pra você...
- Isso aí!
- Pra quando que é?
- Amanhã de manhã...
- Quando é que a gente divide?
- Na hora do almoço, aqui em casa...
- Então amanhã, eu te ligo pra combinar o resto da operação...
- Mas vê se não dá mole, hein?
- Claro que não... Imagine só... Amanhã, a gente divide as camisetas...
- A gente não havia combinado que era tênis...
- Não importa... tênis, camiseta, maconha, é tudo a mesma coisa... Não é?
- É...
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