VIDA
NOTURNA
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Talita
Salles
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Noite escura e fria, para onde todos se somem? Nas frestas meus companheiros se aconchegam, animais noturnos que gostam de sol. A Lua surge por entre as nuvens e eu lamento, um dolorido uivo solitário. Uma coruja ao longe corresponde, e voa sobre mim, o vento soprando leve, frio suave de neve a penetrar-me e aguçar os sentidos. Posso ver o mundo sob mim. A vida noturna foge à vista dos olhos felinos à espreita, pequenos sons de pequena vida a estreitar-se pela superfície e ocultar-se nos antros e recantos. Quem sabe não seria a minha hora? Um som gutural deixa minha garganta, movendo com ele todo o meu ser, sinto falta de algo que não sei. Alguns passos hesitantes e posso ver nova cena. Rua, humana vida noturna, homens e mulheres, bêbados e amigos, mendigos e prostitutas, passam sob mim como se deles fosse o mundo, a noite, o estar respirando o gelado ar, abandonados a eles próprios. Mas não estou eu? Sofro, recôndito, seguido uivo. Procuro, e não sei o que. Algo que cante comigo, que olhe as estrelas e sinta a seiva da cidade correndo em seu sangue, que compartilhe o vampiro e o rato, a coruja e o gavião, os insetos, árvores. Os murmúrios sob os delicados chorões e os alegres "Boa noite" ecoando por dentro das casas, o aconchego de pequenas mãos dentro de outras tão grandes. Pequenos e grandes carinhos. Tudo isso vi e vejo. Essa é a noite, essência vital de tantos seres ocupados. Desperdiçada e triste por tantos meus iguais. Possuo cama, amor e telhado. Nele possuo o sol, as flores, a brisa, a noite, as gatas. Outro uivo abandona meu corpo, uivo felino. Sigo, caminho noite adentro sobre casas e vidas. Procuro. Algo. Não sei o que. Minha humanidade? |
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